Geraldo Lavigne de Lemos
DL50
busco a poesia
…..capaz de sepultar o que somos
caracteres de toxicidade aguda
letras de paralisia
……………de asfixia
………………..e de coma
a palavra
em dose
e efeito
semântica sem remédio
que o primeiro verso baste
…..e o último
…………………………..vague
***
mal tempo
quero inquietar,
incomodar o recôndito.
causar desassossego
naquilo que descansa.
o engano flore e frutifica
no paradeiro.
sopro a tormenta,
com raio, chuva e trovão.
provoco o desastre
que varre as encostas.
inicio tempestades de areia,
transporto dunas
e cubro ruínas.
que venha o novo.
o efeito perturbador
elimina o status quo.
***
atrito
seguro o jornal como quem apanha a notícia.
o movimento que faço com os dedos
mancha-os com a tinta. borro palavras
e aquela informação me suja.
a notícia parece volúvel, da mesma qualidade
da impressão. letras de contornos frágeis,
que qualquer fricção deforma.
abandono o jornal como quem recusa a notícia.
***
fluxo
a árvore não guarda a semente,
nem o faz a flor.
quem vive ensimesmado
não dá fruto,
tampouco amor.
***
vilania
podes voar alto,
mas tua sombra anda rasteira,
acorrentada ao teu corpo.
pesado como a noite,
o teu decalque
esfrega-se nas imundícies do chão.
mesmo que ligeiro,
arrastas-te sobre cuspes
e vidas extintas.
cobres os seres vis
que um dia te cobrirão,
no ciclo eterno da natureza.
o carbono que ora te compõe,
já foi húmus, árvore, fruta
e podridão.
***
contra o medo
o medo, este fantasma
que se materializa
na fraqueza.
ele se alimenta
da coisa evitada
e dessedenta-se com lágrimas.
vencê-lo
é penoso
– exige matar sozinho
um parte de si
ou, a dois,
apertá-lo entre as mãos dadas.
***
o tempo de conversão
as evidências da razão
depõem a favor da probabilidade
para abordar as premissas do acaso
em discursos impalpáveis e falíveis
os dados lançados
fora do tabuleiro de Deus
submetem-se à álea da gravidade
Geraldo Lavigne de Lemos é poeta e advogado, membro da Academia de Letras de Ilhéus, autor dos seis livros de poesia.