Janela Poética I

Marianna Perna

 

Ilustração: Nicole Marra

 

Abertura

 

Pelas mãos daquelas
que vieram
antes.

Porque estive morrendo
já há tanto tempo,
e foram estas mãos
da Idade
que me relembraram.

Eu estou aqui.

Denise, Sylvia
Hilda, Ana Cristina
Adrienne.

Alejandra…
Catarina, senhora.

Senhora.

Eu estou aqui.

 

 

 

***

 

 

 

Poema para cessar o horror

 

Campo de batalha
pelas plumas brancas
da vida & da morte

supremacia destacada
sobre um nada inútil
que insiste em vicejar.

Não, não quero mais o horror
gotejando sobre o umbigo
vermelhoso da terra.

Não, necessito devorar o seu coração
agora
veias e artérias
em um só ato
para que a dor se faça tão, mas tão grande
que deixe de existir.

Filamento por filamento
de carne

Hei de deglutir
e expelir em troca
o fruto extenso
da Chuva profunda
que há em mim.

Desejo o som de água corrente
para encerrar esta batalha
de forma fecunda.

 

 

 

***

 

 

 

Algo de novo

 

Há no ar
a voar

um pássaro enfeitado
de saudade & solidão;

veja como ele
voa alto,

rodopia
em seu silêncio
desconhece todo apego.

Veja como ele
decola, sem demora
decola para além
de suas penas enfeitadas
mergulha fundo
nos céus
e de si mesmo
transborda-se,

extasiado
de um novo sol
que subitamente

brotou

em seu ferido peito…

 

 

 

***

 

 

 

Sobre quatro patas
Cresce a vontade selvagem

Enrola-se
Em galope

Sobe o morro
Suor nas asas.

Palavra impossível.

 

 

 

***

 

 

 

Contemplo do outro

 

Espelho pode ser Máscara, escudo
Pode ser não-ver
Pode ser mergulho & espanto

Ver-se infinita, caleidoscópica
Duelo, esconde-esconde
Convite
Fusão.

 

 

 

***

 

 

 

Lua de fogo

 

1.
na face oculta
da lua
sigo talhando pedra
até virar fogo

2.
no silêncio absurdo
da lua
sigo pisando em gravetos
ocultos
até a floresta
ser toda puro sonho.

3.
na topografia
impensável
da lua
sigo o impossível destino
de beijar o solo
até tudo arder e ser sol.

 

 

 

***

 

 

 

nenhuma carne a cantar
nenhum olho intacto

tudo é nuvem nuvem nuvem
ainda é preciso existir
encontrar formas de seguir

Após o colapso
Após o desaparecimento das estrelas

(Me sinto tão antiga).

 

Marianna Perna é artista, pesquisadora e terapeuta holística. Historiadora & mestre em filosofia (USP). Ativa como poeta multimídia desde 2015, publicou dois livros-disco autorais. Propostas de poesia expandida, contam com trilha musical original, nos quais Marianna se desdobra entre miríades de vozes e instrumentos, além de contar com outros músicos convidados: “A cerimônia de todas as vozes” (Urutau, 2018) e “O livro dos espelhos” (Litteralux/Auroras, 2023). Em 2024, lançou a plaquete de poesia “Até os corais renascerem”, dentro da coleção da Editora Primata.

 

 

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