Carina Carvalho
maritacas
desisti dos pêssegos
por medo aos ferimentos.
pesam muito à natureza as dores que os homens carregam em sacolas abafadas.
às outras frutas fiz buracos na casca,
e me movi branca pela polpa.
pela manhã descobri que cantava com coragem:
há no sumo quando desce a goela um quê de amor pelos que viajam.
este dia quis sumir-se sonoro-suculento nas montanhas antes que lhe viesse o podre pelos maus-tratos.
ou que maltratasse a si: o bico descendo forte no tórax, arrancando as penas desde o cálamo.
***
eu lírico
concluí, olhos apertados:
dói é nos canais suspensos
o cão da casa (por exemplo)
junta as patas na cabeça
e geme
os quatorze anos que lhe entram pelo ouvido
um pacto dormente meu arquejar
porque, durante o sono,
o corpo não tem certezas. pudera:
horas de bruços e do peito, lembrei,
fiz corredeira
tais as olheiras
diabo de choro, sim, rosto disforme até
a reconhecer-se de minuto
só no que é profundo
no mais, depois dos olhos abertos
tanto quanto podiam num dégradé
de poros escurecidos,
lamenta-se
.o preço dos tomates-cereja
.a pintura da casa (uma cor tão feia! cor de gaitista sonolento em garoa
fria. calcule quão antiquada é essa imagem)
.as plantas que secam
.a carne tão fraca, os restos do pouco
e a minha falta de etiqueta:
oh, desculpe o não comparecimento!
nestes copos há menos que um dedo de coragem
e a má postura faz que me doam as costas
por dias inteiros
cotovelos na mesa, mirei o sol com lupa;
meus olhos sumiram
numa ardência de verbo lenta
e assim articulamos ambos:
de.ti um poema do dia
de mim
a ti
***
que permeia um casulo
a casa é que estala
tardes longas de azul pálido
na mudez do corpo
estendidas – as tardes –
num varal que zumbe, por exemplo,
o som vago da carne,
desse pouco
que é o corpo.
que é o corpo?
.
outro dia uma movimentação tão fluida escorria
(não estalava nem estendia),
escorria uma movimentação tão fluida outro dia,
que, meu amor, o sentido de tanta moradia não escapou
por pouco
***
o poro a pele
antigo afeto que lhe ofereça
toques moles,
comedimento nas conversas,
um afago cru
.
mas não,
jamais quis morar em peito tão vago e sem janelas abertas
fazer barulho raspando o fundo
levar do doce o que lhe é mais íntimo;
degustá-lo nu
(Carina Carvalho é paulistana. Estudou Letras e trabalha na área editorial. Seus textos estão em algumas revistas digitais de literatura e na 3ª edição impressa da Revista Celuzlose. Tem se arriscado em balé e fotografia, mas com pouca convicção; já a literatura a atrai tanto quanto a luz das cozinhas pela manhã. Acaba de publicar seu primeiro rebento, Marambaia, pela Editora Patuá)
Adoro ler Carina Carvalho. Instigante, normal, intriseca e arrepiante. Boa leitura
visite o meu blog http://www.aspaginaspoeticas.blogspot.com
:D