Germano Xavier
OS PESOS
“Dame ilusion, esperanza, ganas de vivir y no me olvides”.
(Frida Kahlo)
sustento apenas
o status de sobrevivente
o dia que é azul no alto
a febre na maçã do rosto
o dito que por medo não saiu
o ar filtrado em filme termoplástico
são sintéticas as redes em que me fabrico
há um adesivo em meu peito que diz:
não modular a vida
tudo transparece quando violado
o amor o perdão a mágoa o inferno
conservar-se irrita e descontinua
a origem do cuidado pode ser o ferimento
elefante e pomba têm o mesmo peso nas nuvens
***
A CONSTRUÇÃO DO DIA
para Ana Lúcia Sorrentino
seja como for
tomar a arma dos punhos
e cometer questões
contra toda possibilidade
exigir de si o plano essencial
dos tentares
a tal grau de cuidado
dotar o coração de pássaros
para refratar os prontos
ser vivo o bastante
para morrer pelo êxtase
das coisas até mesmas
servir abismos aos olhos
nos esmagos de inverdade
e padecer de interminâncias
***
FERIDAS FERIDAS
na vastidão do que vivemos
(os dias correm sem nos consultar),
há algo que não nos deixa ser pó:
um rumor contínuo dentro de nós
(só o amor desafia a morte da alma).
os pés caminham para o incerto,
o coração para o único destino que conhece,
o amor é a graça de ser simples e
o privilégio das lágrimas não é dos fracos.
o amor não passa ileso
(passamos amor nas feridas
e ferimos o amor com mágoas).
olhamos além e o medo não foge.
resistimos (vamos comemorar as nossas resistências?)
e cambaleamos em sonhos.
os olhos cansados não nos deixam ver
a flor no asfalto, ao dobrar a esquina
o texto é o mesmo na boca do morto
que nos alarga a esperança
(“o mais sórdido dos sentimentos?”).
vagueamos em vertigens sãs.
a alma pedindo pão,
os olhos pedindo céu,
os ombros pedindo chão
(pelo correio: nuvens de papel).
desabamento de chuva sem fim:
o amor pedindo perdão.
***
O SIMPLES AMOR
amor meu imaculado
única matéria irretratável
impossível de ser detida
manipulada ou destruída
amor meu
céu de proporções ideais
canal de abismos
acesso de revoluções
de amor
***
ESSAS TARDES NENHUMAS
na implacável badalada das horas
(agredindo o universo com agouros de morte),
ouve-se um tímido ressoar de rebeldia: o corpo
(ora desperto, ora entorpecido por repetição)
regurgita o cansaço e – vomitando regras –
ensaia uma humilde resistência.
em segundos, une-se à alma dizendo não.
as mãos afrouxam os laços, os pés deixam
os sapatos: olhos contam nuvens.
e quase que se consegue chegar a si.
mas as horas gritam derrubando os ombros,
espalhando náusea. então pisamos o chão das coisas mortas.
o relógio bate forte, as horas levam o sangue.
Germano Viana Xavier, 31, nasceu na Chapada Diamantina, é mestrando em Letras, bacharel em Comunicação Social/Jornalismo em Multimeios e licenciado em Letras/Português e suas Literaturas. Possui textos publicados em diversas revistas eletrônicas. É colunista nos portais Página Cultural, Entrementes e idealizador/coordenador editorial do Jornal de Literatura e Arte “O Equador das Coisas” (ISSN 2357 8025).