Wilson Torres Nanini
boi
I
apenas a metafísica
de nossos mitos
explica-nos
– enquanto o boi ergue a cauda
e produz matéria
II
solene,
com mãos transfiguradas,
afago na
(dele) face minha hoje
escassa identidade
III
no meio-dia sem álibi
na meia-noite sem alento
o boi (peso, pelo e poesia
isenta) se indifere pois
intui que plenitude é
– rente ao prazer manufaturado –
deitar-se entre flores
na relva úmida
e lamber apenas
as próprias narinas
***
redemunho
para líria porto
circum-arisco vento célere
– que fico o sigilo do chão de um rio –
em plena empoeirada rua
o sol me cega me sega o sol o sol me seca
o tato e sinto a sede tanta
de um mar interno
e para que meu cerne se reensolare
– poesia não duela afagos
(meço apaziguamentos
peso ausências) –
você me traz alumbrado mar
me relenta me
cataventa
me estende versos em lamparina
adivinhando enfim onde é
mais noite em mim
***
anestésico
canto andrógino de febre-em-mel
a sereia arisca arpeja
: seu arpão oculto
na vulva
“silêncio me
fronteiriça”
eu esfinge
esquecida da pergunta
beijos
filtrar
com acidentes
as epidemias
até deixá-las
potáveis
enquanto isso
você me
nina
você me
conta
de fadas
***
dócil
penso gérberas teus
cabelos – cerzir
pudim de leite em pétalas
fotografar o abandono
do olhar de cães caídos da mudança
seios cor e gosto
de arroz-doce
olhos cor de rosa filtram
escurezas – dão de cântaro
relento (ado
cicada febre)
ninar com reza o
precipício sempre prestes –
açude de
assombro e ferrugem
penso paz teu riso
varal com teu vestido
de cambraia ao vento
com um (po)
mar ao fundo
***
cor de rosa
te dou desdonzelice
o doer que apascenta
algo em ti a um só tempo
noiva e bicho
doer
(pupilas sequestram
o céu o
convertem
em escuridão filtrada)
busco agasalho ou homizio?
vestido querendo
transmutar-se em
pássaros para
adocicar bueiros e óbitos
: a vida de
volvida do
fóssil
(Wilson Torres Nanini, autor do livro Alcateia (Editora Patuá, 2013), nasceu em 1980, em Poços de Caldas/MG, e vive em Botelhos, Sul de Minas. Participou da Poemantologia da Revista Arraia PajeúBR. Edita o blog Quebrantos, Relances e Abismos ao Relento)
Belos poemas do Wilson, em tom de toada ou acalanto, sem duelar afagos.
Abraço.
Magníficos poemas!
Un lenguaje moderno, muy cercano al surrealismo que revitaliza la palabra poética. Felicidades.
A todos, acendo minha reza em agradecimento pelo carinho. E vos desejo que a poesia seja sempre a seiva que vos percorra o cerne!
Wilson, sempre há um desconcerto na tua poesia, já te disse que ela me assusta.Aquele susto pra avisar que a palavra mexe.