Inês Monguilhott
Pedra
Na terra
como n’água,
tudo que em mim vibra
quer erguer onde afundo,
fosso,
líquidas muralhas.
Concêntricos,
inúteis labirintos.
***
Pomar
ao meu filho
À distância de um braço,
sumarento,
o mundo se oferece
fruta.
Convém não esquecer:
se vai polpa,
vão casca e caroço.
***
Brechó
Escolho vestidos habitados,
decotes bambos,
curvas desbotadas,
barras invariavelmente puídas.
Recolho na concha dos sapatos, a marca,
outra pisada.
Caminho com fantasmas.
***
Tarde
Hoje me visitam as cigarras
das folhas verdes de antes.
Bocas sujas de terra,
segredam raspantes fios de facas.
Tardam
os dias no tempo esgotado.
E é só isso, é só isso,
é só.
Ferem
os seres mitológicos exultantes
de sussurros e estrondos que traspassam.
Sangue e raízes, dizem desses dias,
são só esses dias, só esses dias,
conformados.
***
A outra face
Aprenda a dar-se,
inteiro
feito um tapa,
esgotando-se por completo
a cada safra.
Grãos na mão aberta,
bagas aos insetos fermentando.
Os dias,
todos,
todos os dias,
laudas, vésperas,
e completas.
Assim, dá o mundo a outra face,
dando-se
e perdendo-se.
(Inês Monguilhott nasceu em Recife, Pernambuco. Passou grande parte da vida na Paraíba e há mais de vinte anos reside em São Paulo. Publicou “natural” e “de mim”, ambos editados pela Ofício das Palavras
Laudas, vésperas e completas, seja feliz querida amiga!