Janela Poética III

Leandro Rodrigues

 

Ricardo Laf

Foto: Ricardo Laf

 

1915

 

desconheço cada resistência/ os golpes em vão
o grito amargo dos cavalos ao meio-dia
a impressão inexata do que é cáustico
louco
a inexpressiva exatidão do que é risco
sombra/ espasmo
livre ressonância do espelho fragmentado
opressivo/ esfacelado
mil cacos pontiagudos na face do nada
na face do nada

e em frente ao rever os cavalos & seus gritos
o meio-dia fragmentado exposto cru entrelaçado
corte recorte sombras opressivas
gritos despojados em arestas.

 

 
***

 

 
ESPECTRAL XV

 

Poucos espelhos se mantêm intactos
e em cada rosto que se quebra
a marca fria da cicatriz disforme
caleidoscópio antigo em que outras faces
se cruzam como espectros soturnos

Apunhalei girassóis com minhas palavras trincadas
e os dentes servis degustaram ódios e crimes
com pompas de quem salpica a noite com versos do mais impuro sangue

mas estive mesmo pleno – em vôo e concisão
nessa lua avulsa e desmedida:

traga teu punhal para desferirmos juntos os golpes precisos
nessa poça avermelhada em que todo sangue derramado
encarna a luminosidade branca do satélite rústico
que paira inútil sobre nossas ocas cabeças tristes
como a demarcar as imaginárias fronteiras.

 

 
***

 

 

RAÍZES

 

Escrevo torto em desmedida decomposição
Não tarda abreviarmos tudo
Reinvento desenhos com simetrias descentralizadas
Não descendo de nada
Agora apenas traduzo as formigas e o que mais arrastam
Ciprestes imóveis em horas mudas
Descascados túmulos em que os insetos adentram
Para criar raiz nos mortos.

 

 
***

 

 
MORDAÇA

 

Sem cor, sem tez, sem pulso
Rareiam as palavras
Mas não os golpes/ a tortura
Receio
Cada outro porto que não se atraca
Cordilheiras de um fauno intacto
Despojados de sua carne e vísceras,
Como outras requentadas agonias fúnebres
Homens chegam sedentos, cuspindo fuligens-terçãs
Em San José um mártir recita versos e se cala subitamente
frente ao muro caiado
Em San Martín uma camponesa estende a sopa rala
para quem puder pagar
Depois recolhe a toalha, pois a noite já vem.

 

 
***

 

 
METODOLOGIA DO NADA

 
estendo as palavras no curtume
as que ainda respingam sangue
servem para o poema.

 

 
***

 

 
ESTETINO (OU NO CAMINHO COM BUKOWSKI)

 
Anoiteço
Com longos versos de bukowski
Num caminho aberto
de chumbo e cipreste,

Com a boca turva/ calada
mortalha desfiada
pelo uivo da matilha,

Nos golpes precisos/
aniquilada-
matéria finda.

Todos sabem quem são os ladrões
desse inverno.

Quem furta a noite, o soco
E vomita seu limbo
na fresta da lua às mínguas/
lua restrita/ dura,
exilada no porão.

Todos sabem.
Ou fingem saber
dessa tragédia monótona/ manchada
desprovida de carne/ esfacelada
pelo antepassado açoite de metal,
ranhuras profundas/ espirais de aço
jardins de fuligens.

dos galhos secos enfeitados
o grito aflito-presente/ ressente
poema torto – em alto-relevo,
desdobrada agonia/
………….. ..corrosivo-desprezo,

………………………..nas obscuras pétalas de óleo
………………………..improváveis marcas de sangue
………………………..da cidade muda/ disforme.

 

Leandro Rodrigues nasceu em Osasco, São Paulo, onde reside. Formado em Letras – Pós-Graduado em Literatura Contemporânea. Professor de Literatura Brasileira. Sua poesia busca traduzir parte da fragmentação e fuligem de uma São Paulo sombria, opressora, mas efervescente. Também é autor do blog poético nauseaconcreta, e um dos autores da Revista Zona Da Palavra. Possui poemas publicados em diversos sites e revistas literárias.

 

 

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1 comentário

  1. Ótimos poemas sérios, duros, sem amenizar em nenhum momento a realidade cruel.Parabéns!

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