Leandro Rodrigues
1915
desconheço cada resistência/ os golpes em vão
o grito amargo dos cavalos ao meio-dia
a impressão inexata do que é cáustico
louco
a inexpressiva exatidão do que é risco
sombra/ espasmo
livre ressonância do espelho fragmentado
opressivo/ esfacelado
mil cacos pontiagudos na face do nada
na face do nada
e em frente ao rever os cavalos & seus gritos
o meio-dia fragmentado exposto cru entrelaçado
corte recorte sombras opressivas
gritos despojados em arestas.
***
ESPECTRAL XV
Poucos espelhos se mantêm intactos
e em cada rosto que se quebra
a marca fria da cicatriz disforme
caleidoscópio antigo em que outras faces
se cruzam como espectros soturnos
Apunhalei girassóis com minhas palavras trincadas
e os dentes servis degustaram ódios e crimes
com pompas de quem salpica a noite com versos do mais impuro sangue
mas estive mesmo pleno – em vôo e concisão
nessa lua avulsa e desmedida:
traga teu punhal para desferirmos juntos os golpes precisos
nessa poça avermelhada em que todo sangue derramado
encarna a luminosidade branca do satélite rústico
que paira inútil sobre nossas ocas cabeças tristes
como a demarcar as imaginárias fronteiras.
***
RAÍZES
Escrevo torto em desmedida decomposição
Não tarda abreviarmos tudo
Reinvento desenhos com simetrias descentralizadas
Não descendo de nada
Agora apenas traduzo as formigas e o que mais arrastam
Ciprestes imóveis em horas mudas
Descascados túmulos em que os insetos adentram
Para criar raiz nos mortos.
***
MORDAÇA
Sem cor, sem tez, sem pulso
Rareiam as palavras
Mas não os golpes/ a tortura
Receio
Cada outro porto que não se atraca
Cordilheiras de um fauno intacto
Despojados de sua carne e vísceras,
Como outras requentadas agonias fúnebres
Homens chegam sedentos, cuspindo fuligens-terçãs
Em San José um mártir recita versos e se cala subitamente
frente ao muro caiado
Em San Martín uma camponesa estende a sopa rala
para quem puder pagar
Depois recolhe a toalha, pois a noite já vem.
***
METODOLOGIA DO NADA
estendo as palavras no curtume
as que ainda respingam sangue
servem para o poema.
***
ESTETINO (OU NO CAMINHO COM BUKOWSKI)
Anoiteço
Com longos versos de bukowski
Num caminho aberto
de chumbo e cipreste,
Com a boca turva/ calada
mortalha desfiada
pelo uivo da matilha,
Nos golpes precisos/
aniquilada-
matéria finda.
Todos sabem quem são os ladrões
desse inverno.
Quem furta a noite, o soco
E vomita seu limbo
na fresta da lua às mínguas/
lua restrita/ dura,
exilada no porão.
Todos sabem.
Ou fingem saber
dessa tragédia monótona/ manchada
desprovida de carne/ esfacelada
pelo antepassado açoite de metal,
ranhuras profundas/ espirais de aço
jardins de fuligens.
dos galhos secos enfeitados
o grito aflito-presente/ ressente
poema torto – em alto-relevo,
desdobrada agonia/
………….. ..corrosivo-desprezo,
………………………..nas obscuras pétalas de óleo
………………………..improváveis marcas de sangue
………………………..da cidade muda/ disforme.
Leandro Rodrigues nasceu em Osasco, São Paulo, onde reside. Formado em Letras – Pós-Graduado em Literatura Contemporânea. Professor de Literatura Brasileira. Sua poesia busca traduzir parte da fragmentação e fuligem de uma São Paulo sombria, opressora, mas efervescente. Também é autor do blog poético nauseaconcreta, e um dos autores da Revista Zona Da Palavra. Possui poemas publicados em diversos sites e revistas literárias.
Ótimos poemas sérios, duros, sem amenizar em nenhum momento a realidade cruel.Parabéns!