Janela Poética III

Nayara Fernandes

 

Ilustração: Bianca Lana

 

Vésperas de um acontecer

 
não sei se sei, serei
no fim, talvez, eu seja
concreta o que não sei
sendo, melhor, o que nunca pensei
sem passado passeio nas paisagens das surpresas
sem futuro flutuo nas justaposições dos agoras

às vésperas d’um acontecer
sou tudo o que não foi.

 

 

 
***

 

 

 
Pele, à flor da carne

 
o vazio
no torso da poesia, o infértil
rubra vastidão de boca surda
rouco vão de olhos mudos –

a pele
à flor da carne do cerne do
excesso

quente doce inacabada
certeza do nada
quente doce inebriado
certame do tudo
um parto rasgado de vício
viço e delírio.

 

 

 
***

 

 

 
Ontens afins

 
uma vida curta
para dias longos
sonhos selados
para destino sem rédeas
a realidade me atravessa

num tráfego de segundos
sentidos me atropelam
sem defesas nem definições sigo – às cegas
não mais espero respostas
respondo as perguntas que me interrogam

todo o agora me define
todo o depois me duvida
todo o antes me recorda
todo o futuro me esquece
sou ontens afins de hojes infindos.

 

 

 
***

 

 

 
Já não sinto

 
já não sei mais
já não sinto quem sou
já não sinto quem soou
sou corpo que chama
suo poros em chama
sou inteiro alma queimando

na pele, em toque, o arrepio
na pele, em frio, o calafrio
na pele o fogo – (a)brasa viva

já não sei mais
já não sinto quem sou
já não sinto quem soou
já não sei dizer

o que sou
o que soou
onde estou
o que sobrou

de mim mesmo acabou
acabou de acabar
foi embora pr’um mundo imenso
o mundo intenso da tua alma
um mundo onde imerso emerso em mim

peno sem tua doçura
peno sem tua ternura
te preciso como cura
te preciso como escudo contra meus eus fantasmas
te pertenço inteiro pra me pertencer em parcelas suaves

sem ti não sou comigo
contigo sou inteiro
sem ti sou metade ignorada de mim
contigo meu sentir não mente
sentimento em suma transborda:
bordando em mim o amor que me salva com glória.

 

 

 
***

 

 

 
Pecados líricos

 
quero-me
embebecer do não sabido
pecados líricos – benditos
verbos versos vícios
ilícitos líquidos explícitos

quero-me
embebecer do não sabido
pecados líricos – benditos
sedes súbitas
securas sólidas
alma insana

que nunca me nega
um verso santo
: milagre de um peito morto
ateu na santidade – atado no amor sacro
que me salva das misérias interiores.

 

Nayara Fernandes nasceu em Teresina, PI, em setembro de 1988. Tem poemas publicados nas revistas Germina, Alagunas, Mallarmargens, Escritoras Suicidas e The São Paulo Times e nos sites LiteraturaBR e Livre Opinião – ideias em debate. Participou da coletânea Quebras – uma viagem literária pelo Brasil, lançada em novembro de 2015.

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