Morgana Adis
[indizível]
Como contar o que devo?
Da sordidez dos beijos.
Da miséria, da fraqueza.
Das línguas que espalham espaços- espasmos-líquidos
por onde podem escorrer as paredes
viscosas e róseas, ignorando tudo,
em órbita desgovernada,
e com o peso na linha tênue?
***
[juro]
Continua a vontade
de saber: sem
machucar os peitos do pé.
Na convicção ínfima de
imediato é extinta,
a mente.
Sentir o estalar pelos
ecos pintados nos ossos.
Triste em sensação,
persiste pelos séculos…
em sobras de tinta.
Amém!
***
[imaginário]
Atas meu cavalo alado
às nuvens secas e parcas.
Rendo a parte mais fraca
ao difuso, e no movimento
me junto às patas.
Patas que, em repente estranho,
cavalgam plenas e fartas
o desejo escuso do uso da faca,
cravada no exato momento
para que de mim partas.
***
[tatear]
Proponho sentir às cegas,
palpitar: sem desfecho!
De súbito, o arrebato
da silenciosa vigília-terna,
ecoa em repousos arredios
– na caligrafia que
se fez soar.
Miúdas cintilâncias
recortam a ausência
que se impõe sem dor;
aos corpos-folha: flores
e aromas presentes:
sob crianças noturnas
só-risos ecoados em fé.
Da seta cravada na espinha
lateja um unicórnio insólito.
Mergulha em sombras
transparentes ao fazer
da teia o orvalho
que quebra o espanto:
com acalanto nervoso.
Em piscadas bem abertas
recobramos a vigência
dos tempos retorcidos.
São constelações de letras
explícitas: transbordadas
pelo nado tateado, do vagar
ensandecido-errante.
Retido o encontro: sanar
em falares notívagos
delirantes, ínfimos percorridos,
enraizados no raro:
em pleno pulso
do absurdo-mágico:
quimeras do inerente-errático.
Presságio estático
caiu entre as nuvens: que
fitam angústias desde o véu
da caverna confidente.
No centro dos sempres
estamos libertos da
instância, mas não da infância.
Por dentro – o inequívoco:
convicção primal e surda
que impõe ritmo e cor
ao ser-sentir. Estampa
nas veias o cósmico grito de duas
esferas feitas do mesmo pó e
das constelações dos medos.
***
[quero ser]
De súbito, uma mui
pequena falta de atenção,
provoca o toque inestimável
entre elementos então
transmutados em respiro
sem piedade.
Quem disse? Meu corpo…
em resposta à língua
que bem preciso entender.
Como se pensa algo que
nem corpo é? Onde o
nunca é matéria! Tem enfim
uma centenária no jardim e veste
as sandálias da compaixão, pois
só assim consegue pisar o chão.
Compaixão por quem?
De mim é que não.
Clamo por concentrar
nas mãos o bem que desejo.
Seria como tocar o nada. Olhar
fixamente as lambidas de luz que
emanam o pulso intermitente e intuir
a força que emerge de todas as veias
conjuradas nas artérias,
num latejar mínimo,
que passaria incógnito se não fossem
as arteiras meninas dos olhos que,
pensativas, seguem de perto
o movimento da carne
que envolve o vulto oculto
e sem pele. Inconveniente
momento de perceber que
basta oferecer o intento para
escorregar pelos sistemas de
sóis e luas invertidos,
reconfigurados e ativos, recuperados
pela calma do respirar inteiro e… ser
ar para tocar as claves do íntegro
sabor e do suave brincar
das pontas.
Morgana Adis é a assinatura de Claudia Aguiyrre com as letras. Leitora antes de nada. Deixou de ser jornalista e professora de cinema, por uma vida mais integrada aos quatro elementos. Mantém-se documentarista e editora. Em ambos ofícios, sente que o importante é ouvir. Orientada a escrever com mais regularidade pelo poeta Leopoldo Comitti o faz entendendo cada vez menos de tudo: desta vez com mais propósito. Nasceu em Santiago do Chile e vive o Brasil há quase quarenta anos. É uma das idealizadoras do Epigrama Coletivo Editorial e do Koletivo Artístico Nukanal.