Matheus Arcaro
É insuportável
não sentir
a dor do mundo.
A incompletude
inunda a vida
de tal modo
que o pasmo
esconde o rosto
sob o silêncio do instante.
A fresta de cada frase
o hiato do amor
o vácuo do olhar
engolido a seco.
Todos os sentimentos
acumulados na curva da alma:
lama tóxica que enrijece
a dança do tempo.
***
Silêncio
Não fere os amantes
as frestas
entre as frases.
Na língua em repouso
o desejo se dilata
até tocar o incontestável.
A ausência das palavras
é o palco dos olhos,
dos hálitos,
dos hábitos despidos.
Peles, pelos e peitos
entrelaçados,
bêbados de presente.
Um espetáculo
em que as proposições
são espectadoras.
E aplaudem atônitas
a eloquência dos corpos.
***
Temporais
Há os que estão sentados na esperança,
aguardando o fim de semana,
o mês seguinte,
o ano em que os astros se alinharão.
O alívio dos dias úteis.
Na casa das máquinas ao lado,
há os acorrentados.
Mastigando as migalhas
endurecidas de Cronos.
Suspirando pela ferrugem dos ponteiros.
Há, por fim,
os que intuem o instante.
Os que dançam
sobre a mortalha da eternidade.
Há os que vivem.
***
Despedida
Senti o perfume da saudade nos teus olhos.
Pressenti que não passaríamos de um passado
desprovido de peso,
nos teus beijos empoeirados,
nos teus abraços em branco e preto.
No lençol,
ato consumado,
eu não era mais do que um retrato,
um fato
avesso a argumentos.
Tu sabias que eu sabia.
Mas sempre preferiste os palcos à ciência.
Eu também.
Que bem nos fez esse fingimento mútuo:
o que é o amor, senão uma farsa partilhada?
O sol subiu e afundou meus minutos:
era tempo, tinhas que ir,
fazer-te completa como uma libélula.
Saíste sem mala
sem palavra,
sem sorriso,
deixando-me aos vãos da vida.
Desde aquela noite,
Evito pensar em ti.
Talvez,
Pra não gastar as lembranças
que tenho de mim.
***
A criança é uma noite
seca
na veia da cidade.
Com o vazio
encostado na vitrine,
derrama o futuro
pelos olhos:
Quando terá,
em seu estômago,
um pedaço mísero
daquela padaria?
***
Poesia Pura
Não aprendi a roubar do outono uma tarde virginal.
Não encontrei a organicidade da pétala no sorriso da mucama.
Não percebi a puberdade incrustada em cada amanhecer.
Por isso não faço poesia.
Procuro por causas e efeitos
e deslembro dos defeitos,
dos hiatos
que impulsionam a criação.
Sou filho da definição,
súdito do porquê,
dependente sintomático do juízo.
– Doutor, e o tratamento?
Não há desintoxicação.
Não há antídoto.
Não há haverá.
É tarde. Tardíssimo!
A criança que me habitava
esvaiu-se no labirinto da certeza
sem saber como cobrir o verbo de cor.
Não sei fazer poesia
porque cadaverizo os sentimentos
numa página pálida.
Matheus Arcaro é mestrando em filosofia contemporânea pela Unicamp. Pós-graduado em História da Arte. Graduado em Filosofia e também em Comunicação Social. É professor, artista plástico, palestrante e escritor, autor do romance “O lado imóvel do tempo” (Ed. Patuá, 2016) e dos livros de contos “Violeta velha” e “outras flores” (Ed. Patuá, 2014) e Amortalha (Ed. Patuá, 2017). Também colabora com artigos para vários portais e revistas.