Luísa Gadelha
ansiedade
é a gente surrupiar toda a sensatez
sugar o ceticismo
se sabatinar, auto-sabotar
serpentear por futuros absurdos e quem sabe possíveis,
mas improváveis.
suportar sozinha as situações sonhadas de desalento
é desesperar no abismo
insegurar nas possibilidades
se saciar na insanidade.
***
O período mais duro
Mais trôpego, mais triste, mais traste
Foi aquele inverno nos jardins
De Sophia de Mello Breyner Andresen
Em que esqueci os instantes que vivi
– e os que não vivi –
Junto ao mar.
O Porto era então todo cinza
Todo cinzas
Gélido, úmido, sufocante
Tinha mesmo sido
Um lar?
E mesmo nos jardins
De Sophia de Mello Breyner Andresen
A trégua era só para um suspiro
Um soluço, um sussurro
Uma contemplação das roseiras já murchas
Que um dia pertenceram a Sophia
– agora já éramos íntimas, separadas apenas pelo tempo –
Sophia que um dia disse:
“O Porto é o lugar onde para mim começam todas as maravilhas e todas as angústias.”
***
Poesia
versos podem ser
analgésicos
nostálgicos
(cômicos) incômodos
icônicos
nas costas insustentáveis,
curvados
versos são
etéreos, instantes
materiais, estantes
***
até ontem à noite eu não sabia como era
urrar de dor
até perder a voz
animalesca,
assustar o meu gato
abandonar minhas introspecções
acordar os vizinhos
fazer tremer os móveis
pôr o peito pra fora
junto com a garganta
o som voraz
desfísico
mais veloz que a luz
urrar até raiar
urrar na aurora
uma dor crepuscular
***
por que tanto temor do tempo
e seus tentáculos tentadores
que te enterrarão tiranicamente
a trote e a galope
em grutas de topázio e turmalina?
medo, não
qualquer terremoto, aterramento, desastre,
casulo, desfecho
vale mais que esse deserto
***
hipocrisia
uma crise no hipocampo
direito – esquerda?
sinistros vórtices vívidos
vertigens em
versos
vertigo
Luísa nasceu em João Pessoa (Brasil), onde se graduou em Letras e concluiu o mestrado em Linguística. Contribuiu com artigos sobre literatura e cultura em geral para os portais Diário do Centro do Mundo e Prosa Mirante. Atualmente, é estudante de doutoramento em Literatura e Estudos Feministas da Universidade do Porto.