Janela Poética III

Tiago Rabelo

 

Foto: Almir Bindilatti

 

o grito

 

nas horas de espanto me soterra
[o grito
sussurro caprichoso que espeta
minh’alma cala ao infinito
carrega esmola dispersa
um chão me calça
o céu insano
insônia que abrasa por dentro
encontra o gasoso desatino frouxo
objeta
……….transversa
….enganos
palavra desencalha verbos
sente um ais imaturo acirrar
enfada a nirvana vibrante
anseia cifrar ecos
que brotam
ferindo o ar

 

 

 

***

 

 

 

ruminância

Para Philippe Wollney

 

ruminância dentro do teto-retrátil do meu peito lavra o úmido egoísmo na dor dos meus instintos. suas vozes prefaciam um térmico-temor que percorre minhas correntes e carrega para si a infâmia de minha pequenez de gente; desenha um incolor infinito no meu ínfimo cansaço, bramando um raciocínio atômico entre os meus gemidos. ruminância, dentro desse vento assanha o intrépido firmamento e deita seus sons gélidos na antessala da minha morte; despreza meu coração amante, calcificando na libélula das minhas ramas este vagamente.

 

 

 

***

 

 

 

nas embarcações

 

no fio dessas dores ancestrais
do teu corpo-morno
nas vozes do teu bruto peito
existem vários rios
dentro do rio
labirintos copas casulos
z u n i d o s
que atravessam
de dentro pra fora
furando a carne
d e s a l o j a n d o
que rasga o tecido da terra
e espera esbarra inaugura
que arranca o leme
dessa carapaça verde
dos redemoinhos-portais do tempo
dessas bolhas
no barlavento direcionado
nas embarcações
ecos mudam de direção

 

 

 

***

 

 

 

iv poemas perdidos

 

para Luiz Fernando Cheres
e a sua descendência
existem iv poemas perdidos
dentro do tempo-ausência
e uma faixa clandestina na memória

existem iv poemas
que carregam a densidade das horas
e um temporal de silêncios-infensos-sibilantes

existe uma madrugada calma
nas vértebras da noite fantasmas
sussurros e grilos habitam as praças
enquanto descansa o barulho
da palavra não dita

 

 

 

***

 

 

 

o verbo i

para Casé Lontra Marques

 

aquilo que não queremos calar
– em nós –
é o que nos cala.
inabilidade dada
aos dias,
às horas.
ecos e suas ressonâncias,
suspiro, transbordamento,
distanciamento consanguíneo
rente ao orifício
(tudo passa pelo crivo que
silencia).
verbo que vemos
ao nos vermos.
reflexo do espelho que somos
– do lado de fora –,
não do que sentimos.
representações
[apenas representações]

existe palavra:
a palavra que existe
quando a palavra ainda não existe.

 

 

 

***

 

 

 

o voo do pássaro azul

 

para Luíza.

 

arde
alma, coração.
brilho ofuscado de negros olhos
que morrem [abrasa o leito do tórax]
na soma infinda de pequenos óbitos
eternos que
renascem em sentimento novo,
vestem-se, balbuciantes, agitados.

amores que não são amores festejam
no hipotálamo de uma cor
de ouro;
percorrem a noite da província;
queimam-se, porém,
divertem-se.

um vapor
no sumo da corrente:

– eu gosto é de quem provou do doce
e do amargo.
– eu gosto é do pesar da vida,
de aflição nos dias de inverno.

sente-se a liquidez.
o bater de mãos trêmulas
enseja a ribanceira do tempo
– úmidos dedos, fios que conduzem.
e o pequeno pássaro azul
logra, consagra,
no sobrevoo de asas,
acaricia o medo.

 

Tiago Rabelo é um jovem escritor brasileiro, poeta e estudante de licenciatura em História pela Universidade Estadual do Piauí [UESPI]. Têm poemas publicados na “Antologia Poética Gritos Contidos” (Coruja Escritora, 2017), “Antologia Poesia Agora” (Editora Trevo, 2018), e-book “Brinquedos do Infinito Poemas a dezesseis mãos” (livro disponível para download na plataforma digital VER-O-POEMA, 2018) e nas revistas literárias: Literatura & Fechadura, Mallamargens, QUETETÊ, Revista Prosa Verso e Arte, Ruído Manifesto, dEsEnrEdoS, A Bacana, dentre outras. As Vozes desse Rio (Editora Multifoco, 2018) é o seu livro de estreia na literatura.

 

 

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