Isabela Sancho
No sétimo subsolo
há um pequeno alçapão
para o inferno.
A luz que o transpassa
se parece com esta.
Para abri-lo
basta
empurrar com um pé.
***
Essas coisas parecidas
consigo,
eu me pareço
cada vez mais comigo
e me saturo.
A essa altura,
meu corpo em rusga
já me tem
como corpo estranho.
***
Autoimune, o nome
daquilo que tenho,
tão mágico, tão certeiro
quanto a leitura
de um velho horóscopo.
***
Se eu puder arrancar
de mim o que me faz mal,
o que sobrará?
Uma centelha de teimosia
em meio
a uma ventania
sobre o campo seco
de meus gotejos.
***
Venta
com a força de uma pergunta
prestes ao paraquedas
Tens certeza?
Ouça,
eu não vou me jogar fora.
Vou apenas me desfazer
da sacola.
Troco-a
por uma bobagem qualquer.
Eu a doo,
quero nada em troca.
***
Os dedos em pinça
de um asco
que não ignoro.
Eu não consigo abater
a sacola.
Tem o valor
e o nojo de dez relíquias.
Com suas unhas crescendo
depois de mortas.
***
As dobras afinadas pelo tempo
se destacam sozinhas
e o papel me vincula
a estes pertences.
Que espécie de documento
não tem nem mesmo
uma data?
Vinco-o com minhas dúvidas,
eu procuro
pelo meu nascimento.
Isabela Sancho nasceu em Campinas, em 1989. Integra o corpo de poetas do portal Fazia Poesia e segue o Curso Livre de Preparação do Escritor na Casa das Rosas. É autora e ilustradora dos livros de poemas “As flores se recusam” (Editora Patuá, 2018 – finalista no Prêmio Literário Glória de Sant’Anna 2019, Portugal) e “A depressão tem sete andares e um elevador” (Editora Penalux, 2019). Ainda em 2019, terá sua primeira plaquete publicada pela Editora Primata e seu terceiro livro pela Editora Urutau.