Ramayana Vargens
SEM VOLTA
O tempo se dissolve no ar
Átomos mágicos
de pó
de vida
O tempo só pode viver
em trânsito
através da transmissão solar
que transporta
a trajetória da existência
O tempo não é triste
nem histérico
É tranquilo
no transe histórico
dos motivos orgânicos
da razão de existir
O tempo
O tempo
O tempo
O tempo poeira
transitório
não tem trombetas agudas
Atropela em silêncio
***
Na geografia abstrata
da condição humana
imprudência maior
é não perceber
a inutilidade do medo
***
Ninguém sabe quem
inventou
a máquina que criou
Deus
No entanto percebe-se
pragmático engenho
humano
na indústria da culpa
e fabricação do pecado
Mas quem explora
o câmbio flutuante
do medo
e outros ativos baratos
dos negócios escusos
da alma
no mercado
clandestino
das mentes covardes?
***
Quando sinais são trocados
menos com menos
é demais
A ordem dos horrores
não altera o produto
A soma das mazelas
é um total sem restos
ou rasuras
***
Eduquei meus neurônios
com muita
permissividade
Fiz todas as vontades
e eles ficaram
mal acostumados
Criei meu coração
com liberdade
para sentir
o que quisesse
Aceito sereno
seus caprichos estranhos
e suas manias esquisitas
Não ensinei maldades
ao meu espírito rebelde
Acostumei meu sono
a dormir limpo
com a consciência
desarmada
Passei meus olhos
por paisagens pacíficas
e atmosferas benignas
Habituei minhas mãos
no trato sincero
do afeto dedicado
Sou normal
Diferente diverso
Único
Exclusivo
Comum
Sigo leal
os mandamentos
do instinto
as luzes da razão
os saltos de improviso
e a verdade
desconhecida
do que sou
Faço o que sinto
Mas não controlo
infortúnios
e mal entendidos
de amor
***
Histórias íntimas
têm o sagrado direito
ao segredo
Memórias secretas
retidas no peito
sangram de medo
quando não são
drenadas com jeito
***
Do sal das estrelas
e dos sonhos dos deuses felizes
fez-se o amor no espírito da vida
Do atrito do vento
passageiro do espaço
que sopra faíscas
no incêndio das águas bentas
formou-se a massa matéria
fumaça
de momentos partidos em pedaços
de tempo
Comunhão
entre sangue
e sentimento
na usina do desejo
nas formas da carne em festa
***
Bichos que voam
conhecem
todos os tipos de chuva
Não arriscam as asas
em tempestade com raio
Não voam contra o vento
em nuvem pesada
Só os pássaros da paixão
enfrentam tormentas
por amor
Ramayana Vargens é poeta, jornalista, dramaturgo, compositor e professor de Literatura. Iniciou seus escritos na adolescência e, após mais de 5 décadas, tem textos publicados em variados suportes, do impresso ao digital. Os poemas aqui selecionados integram o livro “Amor Tecido nas Nuvens” (Via Litterarum, 2023).