Alexandra Vieira de Almeida
O pescador e o mar
Os murmúrios das ondas martelam
molhando os lençóis amarelados
de areias mescladas em branco e preto
Vaga a grande asa do barco no ar
e o céu escurece as ondas do mar
indo o rastro do mastro diluir-se
Moroso o pescador move o leme
sem medo do vento ventando alto
busca o consolo do leito límpido
E ruidosas as águas o bebem
sorvendo o seu sossego no mar.
***
Deserto
Canibalismo no deserto, aridez dos astros. Não há mágoa numa névoa. Somente a faca é minha carne. O desejo se escondeu num olhar amargurado. Facas e garfos não são sensações. O astro cresce à minha volta. Não é possível contornar a outra margem, o deserto é meu silêncio. A névoa cai nos meus braços, sustento-a até a capacidade do meu olhar. Olhar de deserto, não espero estações. Na virada das poeiras que oscilam ao vento quente do deserto, pássaros se comem antropofagicamente. Formigas, maçãs, garfos, facas na sua ordenação neblinam minha face. Face neutra na passagem da névoa. Névoa paira, cai, se esbarra nos ventos da minha passagem pelo deserto, anímico, auditivo, mais do que a minha vida.
***
Confusão
Deus habita o castelo de meu devaneio noturno
Abnego a abulia de um ser inconsequente
A alavanca contorce pêssegos na estrada da razão
Não sonhe com anjos e demônios em contenda
O camundongo toca a campainha da loucura
Casta, a moça fia a rede de uma agonia
Angústia de uma cômoda sobre o solo vazio
Concerto de uma concha no ouvido de um menino
Eclode a doçura de uma vértebra quebrada
Não há paixão numa corda esticada por Deus
Infecta, a pele queima ilusões de monstros
Madrigal eterno ecoa no cérebro de um vegetal
Opulenta manobra de um orangotango no escuro
A poeira sacode as núpcias de um casal
Preta é a cor de sua urina, carvão soturno
Uma prisão de um feto na coxa de um deus pagão
Ferramenta de um escriba é um feixe de seu cabelo
Não deixe a memória esvaziar a sua solidão
Devoto, um peixe apanha sua isca
Retrato de uma cova na abertura de seu crânio
O coveiro joga a pá num mar de serpentes
Cisne deixa o castigo inverter sua cicatrização
Cego, o homem censura a postura de sua demência
Doure um pedaço de carne podre com o sol de seu saber
Confusa, a mente não escolhe a esfera de um poder.
(Alexandra Vieira de Almeida nasceu no Rio de Janeiro. É agente de leitura, tutora de ensino superior, poeta, contista, cronista, ensaísta. Publicou o livro de crítica literária Literatura, mito e identidade nacional, pela Ômega Editora, em 2008. Tem vários ensaios literários publicados em revistas acadêmicas e livros. Participou da Antologia Scortecci de Poesias, Contos e Crônicas, em 2011. Tem dois livros de poesia publicados pela editora Multifoco: “40 poemas” e “Painel” (2011))
Opressiva, mas sedutora a sua linguagem, Alexandra. São acabadas, perfeitas, as imagens incrustadas no poema o pescador e o mar. A prosa poética de o Deserto é mágica e rara, e confusão lembra a Babel na sua imensidão poética. Parabéns!
Abr.,
Caro José Carlos. Muito obrigada pelos seus elogios. Fiquei comovida com sua interpretação tão ótima. Um abraço, Alexandra.
Estou de acordo. Linguagem opressiva mas sedutora. Belos poemas que nos cumprem, intuindo da vida a devoração: ruidosas águas bebem o ser; ventos da passagem pelo deserto, mais do que a vida de quem passa; a pele a queimar ilusões de monstros. Cortes precisos a conduzir estas miragens.
Obrigada, Roberta, por sua contribuição, ao lançar seu olhar sobre minha poesia. Um abraço, Alexandra.
Alexandra, muito bons os seus poemas, especialmente o terceiro que me assaltou com uma força enorme! É intensíssimo!
Muitos parabéns!
Abraços muitos
Jorge Vicente
Caro Jorge Vicente, muito obrigada por ter comentado sobre meus poemas. Seu comentário foi muito importante. Felicidades. Um abraço, Alexandra.
Para quem se interessar em ler outros poemas de minha autoria é só acessar meu blog do Google. Neste site, eu sempre estou atualizando meus textos. Eis o blog:
http://www.malabarismospoeticos.blogspot.com