UMA ANDANÇA
Raquel Gaio
nenhuma sombra pairava em tuas pálpebras
apenas raios de girassol te faziam navegar
nesse escaldante sol de vertigens variáveis.
eu contava os giros de tua andança
e admirava teu suor sem valia
que brotava nesse terreno áspero e doce (que é tua matéria)
minha ansiedade e o tempero do dia
rasgavam teu continente fechado e fronteiriço
que emanava artifícios de um futuro bom.
você ruminava formosuras pra dentro das bocas-desejos
recomeçando assim teu trabalho de escavar juramentos (relíquias da noite)
uma música embalava a vertigem do dia
e você, como era usual, a usava para amordaçar bocas.
***
eu, um invertebrado sem celas,
suportando os caprichos intermináveis dos dias,
engravidando as horas de sonhos,
oscilando entre não-vértebras violetas,
depositando versos no penhasco do tempo,
observando esse corpo irredutivelmente numa estiagem.
é longo o processo das horas.
o arrastar-se ainda comove.
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.
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.
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{desliza inevitavelmente. como os ponteiros}.
***
sob a pele de tuas palavras
estremeço nua
/entranhas escarlate/
essas sílabas esses sons esse gozo
amarram-me e me fazem
delirar num silêncio ambíguo
que põe em minha boca
suores ainda não provados
e em meu corpo
uma cama cheia de ecos.
(Raquel Gaio é atriz e poeta. Cursa o 8° período da Faculdade de Letras da UFRJ. No ano de 2011, lançou o livro de poesias “O Exercício no Mundo”, pela Editora Multifoco, com os amigos Luis Alexandre e Denise Fraga, que abarcou intervenções artísticas, como performances, desenho, vídeo-poema e intervenções musicais. Também foi publicada nas revistas literárias da UFRJ, “Estrelas Vagabundas” e “Zebra”. Tirou o 3° lugar com “Contágios” no Concurso da Cidade do Rio de Janeiro pela Ed. Taba Cultural, antologia a ser lançada ainda esse ano. Atualmente se dedica a pesquisar linguagens poéticas e visuais)