Márcio Leitão
Avesso
Na luta feita de pó
Todos os dias
Prometo cura
Por sobre meus ombros
Todo dia contagio
A liga delicada
Dos sonhos e dos dentes
Mas a tontura do corpo
O sol se franzindo
Devagar
Os ossos roendo
A carne
As carnes
Cavando
Os ossos
E o zumbido
Vívido
De marte
Não silenciam nunca.
Adoecer
É como rasgar o ventre
No meio
Da vida
Tentando escorrer
Por sobre a falta
Cotidiana
Dos sentidos.
***
Coro
Perfilados
Artífices
De notas
Que roem
Cada caule
Nosso
Que cospe
No céu
Embriagados
De perfeição
Cantam
As pétalas
Anoitecidas
Sem nenhum
Gole
De um tempo
Gordo
E moído.
Só líquidos
Inundam o ar
E os estômagos
Pás se levantam
E cobrem
Os cortes
Sem capuz
Que só lambem
O Canto do mármore
E das costelas.
***
Se duas toalhas…
Se duas toalhas
se entrelaçam
Molhadas com o prazer
das sombras que enxugaram
Nelas há algo de carne e espuma
De resto e de rosto.
Nelas convergem-se olhares
Perdidos de seus olhos,
Caídos de seus ventres.
As toalhas completam o balé
Das formas
Assim como um talho humano
Completa as almas.
***
Como?
Como prever a medida das distâncias
sem que ande por algum caminho?
Como perceber as luzes que brilham pouco
se a nova lua que não se faz redonda,
se faz presente no mistério?
Como chorar procurando um desabafo de cores
se todos os choros são vestígios
que reconstroem o triste arco-íris?
Como encontrar a direção
se todas as direções são ilusões,
miragens de caminhos solitários?
Como perder as amarras
se todos os passos tocam o chão
e sentem o perfume das correntes?
Como envolver os pássaros
que ainda pousam
se pensam eles ser livres?
Como contar os degraus
se os desníveis estão nos olhares?
Como desperdiçar os segundos
se cada segundo que contas
perdes, apenas, seu tempo?
Como responder essas perguntas
se perguntam para dizer
e não para perguntar?
Como?
***
Silêncio na Boca
Palavra torta
embaixo da língua
contorce o dorso do céu
palato perdido e surdo
pedido de arranhão velar
pedido de toque ligeiro
de língua sem sapatilhas
dançando no véu inquieto, no céu duro
e no macio dos alvéolos
fazendo chão
o som da minha carne.
Márcio Leitão é professor de Linguística, pesquisador em Psicolinguística (UFPB); tenta entender os processos mentais relacionados à linguagem. Poeta e escritor de livros infantis, escreve pra poder imaginar como é ter liberdade, respirar sem amarras. Escreve também pra se divertir com as palavras e com o que pode construir com elas. É editor da zonadapalavra, onde também publica, geralmente, aos sábados.