Elizabeth Hazin
CURVA DE SAN MARTINO
Para que a pressa
se a vida inteira se tece de acasos?
chove sobre as ruínas do castelo
como outrora terá chovido
sobre as pedras recém-erguidas
para que a pressa
se apenas lento
…………………………..lento
………………………………………….lento
o cinzel do tempo
nivela e repara?
À minha revelia
todo ponto é feito e desfeito:
sou um detalhe que passa
assim como – vista do trem –
toda a paisagem.
Como arrancar das pedras
a verdade que encarnam?
tudo agora é anódino e pálido
(até mesmo o pálio
no centro da praça
que de graça se oferece
a nossos olhos desarmados).
Onde o esplendor medieval
que colorimos de bandeiras e de cavalos?
levianamente
pisamos as pedras há séculos dispostas
e nosso coração nem sabe
dos suspiros e das noites
nem sabe da beleza
nem sabe.
***
Deixa sentar a poeira do tempo
debruça-te sobre mim.
Foi de conviver com a luz e com a água
essa minha lucidez esse lodo
esse gosto amargo demais
esse meu lado avesso e morto.
Não tenho margens nem porto
não possuo uma única ilha
mergulha em mim
não mais que tua mão
e acompanha minha vigília.
Velar é preciso
(é como navegar)
teu rosto impermeável
Não se molhará.
***
INVENÇÃO
Para que mais do que já temos?
nossas roupagens humanas
nossa fragilidade
o areal que atravessamos
nossos parcos segredos:
tudo é a vida que vivemos
deveria ser suficiente.
Para que inventarmos
o Amor e seu desassossego?
***
NO ESPELHO (II)
Eu te acendo
e me vejo:
sonhos de infinito
esse jeito tosco
meu andar comprido
meu olhar tão fosco
o amor perdido
– não vivi de todo.
Perdi minha ambição
(lembrança antiga)
já não brinco de poemas
algo se desfez
perdi – razão da vida –
o meu canto.
Já não me comovem sonhos
nem sonhos há que me movam.
Sobra a noite
e em teu vidro – aceso –
o meu espanto.
***
HOMO LUDENS
Lúdico animal o homem
e esse ludismo o transforma
em carta marcada embora
ele nunca saiba a hora
certa xequemate (o rei
morreu? outro rei é posto)
nada se mostra em seu rosto
que não esse jogo vário
de mil nomes – estuário
de todos os seus desejos.
Que mar, que mar os espera?
Não há. O que existe é mera
ilusão – regra do jogo:
pensa-se tirar a sorte
porém morre-se no fogo.
***
Uma
duas
três taças
e o poema se derrama
– vermelho e ácido –
queimando minha garganta
toda palavra é um pássaro escarlate
que voa sempre
(ainda quando me calo)
no tempo escasso da tarde
Elizabeth Hazin (Recife-PE, 1951). Publicou Poesias (1974), Verso e reverso (1980), Casa de vidro (1982), Arco-íris (1983), Espelho meu (1985), Martu (1987), O arqueiro e a lua (1994). Em 2006, a Vieira & Lent reeditou uma segunda edição — revista e ampliada — de Martu, livro vencedor do Prêmio Rio de Literatura (1986) e foi publicado Lêgo & Davinovich (7Letras) escrito a quatro mãos com Davino Sena. Em 2010, a Vieira & Lent republicou Arco-íris e em 2014 publicou Mágica de Carrosel (infantil). Atualmente é professora Associada Plena junto ao Programa de Pós-Graduação da UnB, líder do grupo de pesquisa Estudos Osmanianos.