Lílian Almeida
Crisálida
Grávida do ser que me habita
vou parir a mim mesma.
Outra.
Quando a lua anunciar negruras
já serei o que sou.
Mariposas cintilam lilases
voos e auroras.
***
Costuro palavras
no assoalho dos dias
a ver se liberto
os pés
de existir entre homens.
***
Fênix
Para Rita Santana
No chão, os meus restantes.
Estatelei-me no voo.
Esfacelada, a altura era o solo.
Uma asa esmagada
um pé quebrado
os olhos parados
o tronco desconjuntado.
Restantes em fragmento do que te dei inteiro.
Recolhi as partes.
Lavei com lágrimas
sequei com rotos sorrisos.
Secreto unguentos de sangue e muco
e cicatrizo os cortes.
Suturo as dores com o preto fio dos meus cabelos
para deixar marcado, no corpo da fênix,
a porção mulher que há em mim.
***
Abaeté
A água escorre dos olhos
sobre a face escura.
A água escorre das roupas
dentro das mãos negras.
Escorre dos olhos
das mãos da mulher
a dor dos dias.
A água escura da lagoa
lava as roupas
e a alma.
***
De cor
na cidade alba
os olhos brilham retinas cegas.
entre alvos passos
e braços
o invisível caminha.
***
Cio
A fêmea exala
o cheiro rubro
da vida
Baiana de Salvador, Lílian Almeida é professora adjunta na Universidade do Estado da Bahia e doutora em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Participa de “Além dos quartos: coletânea erótica negra Louva Deusas”, “CartoGRAFIAS” (Funceb) e “Profundanças 2: antologia literária e fotográfica”. Publicou “Todas as cartas de amor” (ficção) em 2014, pela Editora Quarteto. Venceu o prêmio Edital Caramurê de Literatura 2019 com o livro “Pulsares”.