Janela Poética IV

Aline Aimée

 

Foto: Magali Abreu

 

gira

 

entender que a função
do giro
é a propulsão ocasional
para fora da órbita

…………..mas também

aprender a me mover
fora da febre
das apostas

dentre aquilo que gira:
mais que roleta,
ser engrenagem

mais que engrenagem,
……………..ser móbile

 

 

 

***

 

 

 

não sei dar forma ao cristal

 

minhas mãos cansadas
acompanham mais
o ritmo frágil
quebrável
dos grafites,
a intimidade
do borrão

decerto minhas prendas
te parecerão precárias
perdidas em folhas vadias
……….,…que aspiram à aderência de tuas costelas
……….,…que aceitam a destruição
……………………………………………………….no calor úmido
……………………………………………………….de tuas palmas

………….que admitem inaugurar funções:
marcar as páginas
dos teus segredos
(confissões expiradas
em dobras-cicatrizes)

manejo grafites para que
ao te furtar um instante
…… a suspensão de um ou dois
…… pensamentos
…….(talvez a sorte de uma lembrança)
meus rabiscos se percam
na paisagem do teu caos
expondo-se ao risco
de um resgate:
………………………………uma nota apressada
………………………………um abano
…………………………….. um corte no dedão

………..o mistério de uma mancha indecifrável

[uma virada de tempo
uma mudança de estação]

preferíveis à dignidade imóvel
do totem sempre à vista
na prateleira alta
…………….translúcido de costume
…………….empoeirado de apostasia

 

 

 

***

 

 

 

devora-me

 

sustentar os ouvidos aos uivos
deixar-me emudecer pelos enigmas

parasitar o labirinto das entranhas
que me devoram

ofertar os braços aos ecos
que me cravam as unhas em atrasos:
aprender a costurar a sombra
em lugar de cinzas

 

 

 

***

 

 

 

um sopro para Emily Brontë

 

o céu é pouco
e a relva é rara

a noite se fantasia
entre ruídos mecânicos
e luzes frias

resoluções se iluminam
na escalada
……..de degraus
………..e de aparelhos aeróbicos
onde murmuram
joelhos e manivelas

sei que palavras imortais
enchiam os sussurros dos teus sonhos

mas se quero interceptar
a síntese dos tempos
preciso filtrar
ladainhas elétricas
que não me resfriam
a pele
e que só me arrepiam
por estática

preciso lembrar que por trás
dos pixels
também se sangra

 

 

 

***

 

 

 

legente

 

sei que tardo
que insisto
em fazer morada
no fundo
onde espáduas tantas
deslocam-se
inermes à minha leitura:

curvaturas apontando
as variações
dos sonhos

 

 

***

 

 

 

exercícios de pouso

 

baixar num canto
à sombra
minha bagagem
deixar que o vento
devasse
os umbrais
que restos repousem
no encontro
cada qual
com seu anteparo

deixar no abraço escuro
da crisálida
delicadamente
os nós que me
sustentam

desatar
membros frescos
para novos
movimentos

 

Aline Aimée é carioca, servidora pública e mestre em Literatura Brasileira pela Uerj. Publica poemas e fala de livros no Instagram e no Youtube, é mediadora em clubes de leitura. Tem textos publicados em sites e revistas literários, é autora de “Doze pétalas, nenhuma flor” (edição independente) e “Uma reserva de sutilezas” (Editora Patuá), participou das coletâneas “Leia Mulheres – contos e Prêmio Off Flip 2021”. “Exercícios de pouso” (Editora Patuá) é seu livro mais recente.

 

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