Jorge Elias Neto
A logística das formigas
Reparem no descaso
das formigas
no espelho fosco
das placas de gelo.
Morrem,
…….aos montes,
…………em fila,
……agarradas
à impossibilidade.
***
Discurso para o cadáver
Teus olhos
não mentem
essa simplicidade
em dizer:
tão breve, a vida,
enquanto saturamos
o ar
com subterfúgios
e preces.
Do ponto
Em que se parte
– se esquece –
o espectro
da carne
………… – do irremediável.
Da carne
à cinza,
do torrão de
terra
ao desprezível
mármore
– questão alheia –
(prevalecerá a vontade
…………..do Universo).
Que os vivos
tratem da espessura
das trevas.
A você, o privilégio
da dimensão
onde se plantam flores.
Agradeço
a sinceridade
azul
em teus dedos,
ao lançares os dados
que julgarão
os versos
impossíveis.
E o que disse
da memória…
A memória sem lar,
desnecessária,
posta a ausência
cúmplice.
Se pudesse
te acenderia um cigarro…
Deixaria a guimba
………….pendurada.
em teus lábios.
(Como é bela e
…………..inútil
a última centelha…)
Logo
chegarão.
(A boca aberta da cidade
…………..despeja
………………..suas crias.)
Vestirei a máscara
e restarei
um momento – breve –
(o tempo de observar a indecisão
das chamas perante o choro
……….humano).
***
Clandestino
A verdadeira clandestinidade
se pratica simplesmente mantendo-se vivo
Jorge Elias Neto
Acorda-se do último sonho
em uma esquina vazia,
e o que se acreditava
se dispersa
além dos olhos.
O contorno das montanhas
desfez o sentido
das encruzilhadas
(desvios
só interessam aos apressados;
………….. e já não se tem mais pressa).
***
Os raios oblíquos da manhã
Poesia
não é encosto,
não é escora
Na primeira manhã
foi um entregar-se à dádiva
da escolha.
Passam os dias,
e as encostas
escorrem sob o peso
do que se repete.
***
Matilha
Amor: quantas palavras necessárias para
que um gesto se torne inscrito no tempo?
Hilton Valeriano
Nomeados
os lobos,
desembanhei os caninos
…… – incógnitos –
e ensaiei a dança
solitária
do uivo
na imensidão austral.
***
Fração do indizível
O branco desse gelo
é todo poema –
…….verdade possível.
Entre o amor,
e outras alucinações,
o inefável me acena
caridoso.
(A grande face
e sua biografia
…….de renúncias
e equívocos.)
Minha distância
não é exercício de retórica,
apontamento
de um ególatra,
tons pastel despejados
na boca de lobo.
Não há indiferença
quando parto
e retribuo
o aceno.
Jorge Elias Neto (1964) é médico, poeta, cronista e ambientalista. Capixaba, reside em Vitória – ES. Livros: Verdes Versos (Flor&cultura ed. – 2007), Rascunhos do absurdo (Flor&cultura ed. – 2010),Os ossos da baleia (Prêmio SECULT 2012), Glacial (Editora Patuá – 2014) e Breve dicionário poético do boxe (Patuá – 2015). Colabora com poemas em vários blogs e na revista eletrônica Diversos Afins, Germina, Mallarmargens e no Portal Literário Cronópios. Membro da Academia Espirito-santense de letras, onde ocupa a cadeira de número 2.