Tanussi Cardoso
PAISAGEM INÚTIL
porque não haverá segunda vez
meus domingos hão de ficar
plantados
na terra ou nos fios
onde se aninham os pássaros
errar não é humano – é santo
pecar é carregar nos ombros
os erros de Deus
***
AUTORRETRATO
O tigre, em silêncio,
é o que penso.
Quando ataca,
é o que posso.
***
A HORA ABSOLUTA
“Sou como o corifeu medieval
que percorre as aldeias e vai embora.
É necessário que quando eu partir
o palco não fique vazio.”
Franco Basaglia
Estranhos
meus mortos abrem as janelas
penetram em meu quarto
e me sufocam.
Insinuantes
me beijam e sangram em mim
alegrias e pecados
acariciando, sem pudor
meus sonhos, minhas partes
e meus ossos.
Meus mortos e seus gemidos
têm rostos, sinais
e olhos que fagulham
calafrios.
Ousados
vêm no breu do sono
e dormem em minha cama
e me despem
e se debruçam sobre meu corpo
silentes e queridos
e rezam
e choram por mim
como a lua clamando
sua outra metade
como um espelho
colando os próprios vidros.
Meus mortos sem censura
meus delicados mortos
que, à noite, penteiam meus cabelos
e, solidários, preparam o meu jardim.
***
QUADRO
As moscas impacientes
da rodoviária
espantam o sono
das estátuas.
***
RETRATO
Sou o que escrevo.
A busca permanente
da palavra exata.
E sua ausência.
Tanussi Cardoso nasceu e vive no Rio de Janeiro. Formado em Jornalismo e em Direito. É poeta, crítico, contista e letrista de MPB. Tem poemas publicados em diversos países e 11 livros lançados.