Geraldo Lavigne de Lemos
a meu tempo
faço muito uso do quando
porque o tempo me parece inconstante
às vezes é água represada
por outras, atira-se como cachoeira
sabido desta verdade
não costumo confiar nas máquinas
pois meu tempo confunde os relógios
confio, sim, na linha da vida
que, tesa, dispara o carretel
e, frouxa, para-o
***
poeira iluminada
…o inverno desce
……………..pelas galerias
nada mais o tempo tece
em minha terra,
neve é poeira iluminada
………….fato perene
………….na calçada
***
Cachoeira
louvo o curso deste rio
pela mensagem silente
de amar o inimigo
espumo palavras
entre meus dentes
: leito calado
e impotente
espero um dia
poder vomitar enchentes
como fez o rio em 67
***
magarefe
eu não descabelo mais o porco
na água fervente
enquanto ele sangra pelas ventas
e grita os meus pesadelos
não marreto mais o carneiro
para deixá-lo demente
e colher-lhe o sangue
entre os espasmos
nem trespasso mais a lâmina
na garganta do garrote
apeado aos meus pés
hoje, o máximo que me ocorre
é ver um frango
circular sem cabeça
tingindo o piso
sento em minha cadeira de couro curtido
e da varanda vejo as moscas
cobiçarem o meu jazigo
peço às larvas
que esperem meu corpo esfriar
antes de me terem engolido
***
melodia sazonal
o capim verde expõe as sementes
no alto de seus dois metros
o campo contrasta a cor do céu
pousa uma dúzia de cardeais
o vento enverga os talos
e todos dançam
…….folhas ornadas com vestes santas
aguardo para ouvir o canto do bando
…….coral de notas fartas
***
somos da linhagem do pau-brasil
temos o lenho
….duro
………bravo
…………..e resistente
….espinhos firmes
……..como dentes
nosso colorido sumo
…..denota o calor
………das nossas entranhas
enquanto as folhas miúdas
….relatam o minucioso
……. – e permanente –
………esforço
não esperamos piedade
ouçam apenas o ressoar do violino
……..através de nosso cerne
Geraldo Lavigne de Lemos é natural de Itabuna e radicado em Ilhéus. Membro da Academia de Letras de Ilhéus, autor dos livros À Espera do Verão (2011), amenidades (2014), alguma sinceridade (2014) e Massapê: Solo de Poesia (2016), todos de poesia e pela Editora Mondrongo. Integra a antologia Diálogos – Panorama da Nova Poesia Grapiúna (Editus / Via Litterarum, 1ª ed. 2009; 2ª ed. 2010). Realizou a Exposição Interativa Tempos Invernosos com poesias na galeria do Teatro Municipal de Ilhéus em 2008, remontada no Instituto Nossa Senhora da Piedade como parte do Ano Ibero-americano de Museus. Foi membro do Conselho Municipal de Cultura de Ilhéus no biênio 2011/2012.