Janela Poética V

Leandro Jardim

 

Desenho: Re

 

Represa (Aceno)

 

Essa palavra que me estrangula
………………………..As pernas
É generosa apenas
…………………….com as ideias

E a distância que nos separa
……………………Um passo
É mais próxima do que um
…………………………Aceno

Mais distante do que um
…………………………Abraço
Mas eram ideias os braços (lembra?)
…………….Que nos enlaçavam

O desvelar mútuo
……………………Da linguagem
Que é também linha
……………………E tece
Me aconteceu de bordar
…………………..Vestir
A roupa que palavras suas
…………………..Costuraram

Coberto delas então encaro
………………….O reflexo
Nada mais é do que o meu reverso
………………….Obstáculo

É quando você me vai
………………….Despeço

 

 

***

 

 

A pequena semente infinita

 

A semente
Tão pequena é
E leva por dentro
A vida

A vida
Também tão pequena
E guarda no centro
O infinito

O infinito
Com tudo contido
É, ainda assim,
Invisível

 

 

***

 

 

desaconselha-se

 

vai girando
a vela e leva
de bom grado
o vento

vai graduando
a fala (e leva)
sem tanto crer
o argumento

e aumentando
a idade caia
a fé e faça
por onde um dia

te alcance crua
a companhia
inútil e grave
de alguma graça

 

 

***

 

 

Tudo se mexe

 

Tudo se mexe
Ao redor da sala
E no centro
Eu me sento

Tudo ao redor da sala
Sou eu sentado
E esse movimento
Que diviso por dentro

A criança cruza
O cachorro salta
É a televisão
Verborrágica

O silêncio canta
E descreve o mundo
A lápis no verso
De um formulário velho

Catalogado, o ser
É as frases no inventário
Do que vê a sitiá-lo
A mesa esquiva e eu

Um tapete movediço e
Esta porta uma boca afoita
Que me chama de verdade
Imaginária e inventada até

 

 

***

 

 

Engarrafado

 

Engarrafado
Como o trânsito
O álcool
Não do carro
Ou do ônibus
Que ele toma
Pela manhã
A caminho do trabalho

 

 

***

 

 

Ilusão de crítica

 

O homem que parecia (de pé)
um certo crítico (no balcão)
literário (bebia algum trago).

Seu olhar pesaroso (fixo)
e uma pobreza excessiva (na roupagem)
que o denunciava (mais um)
um engano (meu).

(E eu sem meus originais à mão,
ainda pensei)

Acenamos um brinde, afinal,

à distância.

 

Leandro Jardim publicou a novela “A Angústia da Relevância” (2016), “Peomas” (2014) e o livro de contos “Rubores” (2012), todos pela Editora Oito e Meio, “Os poemas que não gostamos de nossos poetas preferidos” (Orpheu, 2010) e “Todas as vozes cantam” (7Letras, 2008). Possui contos publicados nas antologias “Veredas – panorama do conto contemporâneo”, “Para Copacabana, com amor”, entre outras. Em parceria musical com Rafael Gryner, lançou os EP’s “O Sonhador” (2014) e “Sementes musicais para um mundo cibernético” (2011).

 

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