Muna Ahmad
Arthur
romper a casca
procuro a eternidade da hora no céu estrelado
atravesso desertos com água na boca
sonho que sou um náufrago
me salvei no barco bêbado
tempestades passam
volto pra casa
ponho no colo o gato
maciez e silêncio
imagino um caminho pra tocar seu coração
***
Porangatu
crio gato em
telhado de vidro
na casa que
existe sozinha
à beira da
estrada
jardim de
violeta mistério
fragilidade pura
halo de lua
córrego no
fundo do quintal
***
Sherazade
céu aberto
cáfila silenciosa
cruza o deserto
sete véus
dança do vento
serpente subindo no bastão
olho abre e fecha entre mundos
tapete voador
amor pedra branca
sorte na borra do café
Ali Babá e os sorridentes bufões
***
Bolero
noite alta
cachorro latindo na rua
meu amor foi embora
levou o frio que eu sentia na barriga
levou fotografias
anel pendurado no pescoço
meu amor dente-de-leão soprado
levou dor e alegria
luva e guarda-chuva
jogo de botão
***
Quaresma
guardei a fantasia
lavei a casa
fiz novos canteiros
semeei
papoulas e dálias
cortei os cabelos
lavei a alma
comprei lanternas e lupas
fiquei nua na janela
olhos postos no céu
no fundo de mim
passa um rio
adolescentes de seios duros
bocas ruidosas
banham-se de manhã
***
Do esquecimento
sapatos pisam fundo nos dias
tardes desiguais:
tem as de vento
que fazem carnaval nas saias da gente.
Tem as que escurecem rápido
como coito de alguns animais.
Tardes quentes
banais
cada beduíno em seu pedaço de deserto.
Muna Ahmad nasceu em Porangatu, GO, vive atualmente em Brasília, DF. “Cidadã do mundo, assim se define: Goiás-Ceará-Palestina lugares de nascimento.” Licenciada em Artes Cênicas pela Fundação Brasileira de Teatro, trabalha com educação ambiental na estação Ecológica de Águas Emendadas, Planaltina-DF. Em 1997, participou da antologia Mais uns – Coletivo de poetas, org. pelo poeta Menezes y Morais. Já em 2015, publicou seu primeiro livro de poemas, Muxarabi (Supernova Editora). E-mail: munayousef@gmail.com