Verónica Aranda*
Tradução: Edson Oliveira
Revisão: Clarissa Macedo
Estrangeira
Tem dias que entro em uma confusão
precipitadamente, enquanto busco
o pulso da cidade, o mesmo pulso
do Cairo na hora marcada pelo muro
da cidadela ocre ou em um dezembro
na multidão de Nova Deli.
Busco avenidas com o cais ao fundo,
diante daqueles velhos armazéns
e casas de embarcações onde antigamente
se perdia, Biralbo, o pianista,
com o impulso quase policialesco
daquele que foge de um amor, e ao mesmo tempo,
deseja encontrá-lo em vielas
onde volateiam os pombos,
e não para de andar e se percebe
diante do Cais de Sodré que é um estrangeiro.
Extranjera
Hay días que me adentro en el bullicio
precipitadamente, mientras busco
el pulso a la ciudad, el mismo pulso
de El Cairo en la hora punta desde el muro
de la ocre ciudadela o de un diciembre
en la aglomeración de Nueva Delhi.
Busco avenidas con el muelle al fondo,
al pie de aquellos viejos almacenes,
y oficinas de barcos donde antaño
se perdía Biralbo, el pianista,
con el impulso casi policiaco
del que huye de un amor y, al mismo tiempo,
se lo quiere encontrar en callejones
donde revolotean las palomas,
y no para de andar y se da cuenta
frente al Cais do Sodré que es extranjero.
***
Armazéns Mouraria
Os comerciantes chineses embaralhavam as cartas
na conspiração de um filme noir.
Os golpes das fichas trouxeram a derrota
dos que jogaram numa cartada
o amor e a vida: dois de espadas.
Se afundaram para sempre os navios de pimenta.
Armazens Mouraria
Los comerciantes chinos barajaban los naipes
en la conspiración del cine negro.
Los golpes de las fichas trajeron la derrota
de los que se jugaron a una carta
el amor y la vida: dos de espadas.
Se hundieron para siempre las naves de pimienta.
***
Mirante de Santa Catarina
Eu nao sou eu nem sou o outro,
Sou qualquer coisa de intermédio:
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o Outro.
MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO
Contam as velhas crônicas que outrora
o povo subia até aqui
para esperar os navios
e seu regresso incerto da rota
das especiarias e das tormentas,
até o alto onde se forjava
toda resignação, com a paciência
de argilas modeladas na sombra
das promessas junto às ermidas.
Hoje espero, não sei muito bem o que,
assomada ao contágio secular.
E os versos que leio
de Mário de Sá-Carneiro já anunciaram,
desde os botequins parisienses,
o tédio pós-moderno, a ressaca ilustrada
que flutua sobre o rio e os telhados.
Miradouro de Santa Catarina
Eu nao sou eu nem sou o outro,
Sou qualquer coisa de intermédio:
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o Outro.
MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO
Cuentan las viejas crónicas que antaño
subía hasta aquí el pueblo
a esperar a las naves
y su regreso incierto de la ruta
de las especias y de las tormentas,
hasta este alto donde se forjaba
toda resignación, con la paciencia
de arcillas moldeadas a la sombra
de las promesas junto a las ermitas.
Hoy espero, no sé muy bien el qué,
asomada al contagio secular.
Y los versos que leo
de Mário Sá-Carneiro ya anunciaron,
desde los cafetines parisinos,
el tedio posmoderno, la resaca ilustrada
que flota sobre el río y los tejados.
***
Estação de Santa Apolônia (Alfama)
Desci em uma daquelas estações
onde ninguém pendura uma guirlanda
de cravos laranjas ao chegar.
E ao longe, a cidade que se iluminava
entre pontes metálicas e hotéis
com cheiro de toalha e salitre,
nessa hora precisa
em que os vendedores desaparecem
deixando unicamente amontoado
o milho e os restos da feira.
Então, nesse momento
na sala de espera repleta
de viajantes sentados sobre suas malas
tive a lucidez do desencontro.
Olhei para o azul celeste colonial
pintado nos muros, evocando
velhas cartas de amor escritas em La Habana.
Estação de Santa Apolonia (Alfama)
Bajé en una de aquellas estaciones
donde nadie te cuelga una guirnalda
de claveles naranjas al llegar.
Y fuera la ciudad, que se encendía
entre puentes metálicos y hoteles
con olor a toallas y salitre,
en esa hora precisa
en que los vendedores se diluyen
dejando únicamente amontonados
los restos de la feria y el maíz.
Entonces, sólo entonces,
en la sala de espera rebosante
de viajeros sentados en maletas
tuve la lucidez del desencuentro.
Miré el azul celeste colonial
que tenían los muros, evocando
viejas cartas de amor fechadas en La Habana.
***
Miradores
Os múltiplos Pessoas sugeriam
ir lê-los aos miradouros
diante do primeiro café contemplativo.
Miradores
Los múltiples Pessoas sugerían
ir a leerlos a los miradores
ante el primer café contemplativo.
***
Navegantes
As noites partiam, desdobradas
sobre os mapa-múndi do desejo,
aqueles em que tu marcavas
os países em forma de postais,
onde havia feito escala,
enquanto me perdia
por essas latitudes de teu corpo
que anunciam as ilhas e alcançava
o centro do teu peito
com instrumentos de navegação.
Navegantes
Se nos iban las noches, desplegadas
sobre los mapamundi del deseo,
aquellos donde te iba señalando
los países en forma de postales,
donde había hecho escala,
mientras me detenía
por esas latitudes de tu cuerpo
que anticipan las islas y alcanzaba
el centro de tu pecho
con instrumentos de navegación.
* Poemas do livro Alfama (Centro de Poesía José Hierro, Getafe, 2009)
Verónica Aranda nasceu em Madrid, Espanha. É licenciada em Filologia Hispânica e realizou estudos de doutorado em Nova Deli. Recebeu diversos prêmios de poesia, dentre eles o Miguel Hernández e o Ciudad de Salamanca. Publicou vários livros, como Poeta en India (Melibea, 2005), Alfama (Centro de poesía José Hierro, 2009), Postal de olvido (El Gaviero, 2010), Lluvias Continuas. Ciento un haikus (Polibea, 2014), Épica de raíles (Devenir, 2016) e Dibujar una isla (Reino de Cordelia, 2017). Também é tradutora.
Edson Oliveira da Silva é poeta, doutor em Teorias e Críticas da Literatura e da Cultura pela Universidade Federal da Bahia, em consórcio com a Universidade Autônoma de Barcelona. Atualmente é Professor Adjunto da Universidade Estadual de Feira de Santana, ministrando disciplinas na área de Literatura Espanhola e Literatura Latino-americana.