Christian Dancini
ELEFANTES SONÂMBULOS
Não consigo esquecer a faca que
……….rompe o papel para além do obscuro.
……………………….Meus poemas
são a subversão palpável
……..de elefantes sonâmbulos, criando
vasos sanguíneos telúricos.
…..Eu devoro santos e malditos e os trituro em palavras, quase como
…………………um pássaro azul perdendo seu fôlego.
………………………………….À noite, um amálgama de interjeições:
………………………….meu deus! Quem sou eu?
…………..A música é azul, os mares, verdes; inclino minha
………………………………………………………….cabeça em vertigem,
oceanos transbordam da minha
………………………………garganta forrada de espinhos.
……………………………O poema é para ser, longe do sentido.
………………O poema deve existir e alcançar quem precisa.
……..E eu sou um poema tremendamente ensandecido, incontrolável,
tal qual deuses selvagens,
………..que impelem aos milhões para fora da ejaculação precoce
………………………………………..de um espírito em desordem.
***
CRESCER PARA DENTRO
Quanto mais cresço para dentro,
………..maior é a luz que eclode do fim;
maiores e mais fortes os ventos
………………— rajadas de fúria e caos.
Porque teus ombros largos,
……….que emudeciam suor e fogo,
……………….embruteceram a casca de uma árvore.
……………………….Porque é um lírio tombando dinamites;
um tornado sem ferro nas estruturas.
………..Abreviar a palavra na velocidade da vida.
Jorro, pelas retinas, malmequeres convalescentes que pretendem
………………oscilar o sereno inquebrável das montanhas.
Bebo um café. Acendo um cigarro.
……………………………………Mais um dia se queimando na ponta
chamejada e cinza do fumo.
……….Passo a caminhar em passos redondos, circulares;
……………….de ponta cabeça, seguro o mundo com as minhas
……………………….mãos, mãos que ardem,
mãos que pesam, mãos enrugadas de tempo,
………desprovida de som, sós.
Até que encontrei teu ermo ser,
…………..vagando pela tempestade do deserto.
Teu corpo inebriante.
…………………..Tua voz intumescida. Tua pele fina, camada de tecido
que cobre a alma. Teu pé, branco, é incapaz de sonhar.
……….Então agora quero inserir a infância na cólera que se expande.
Rosnar para o perigo;
……..dividir o peso do medo com o expansivo amor.
Procuro na madrugada,
…………………………bitucas para acender.
………………………O breu se volta para o silêncio
do abismo;
.crânios humanos esmagados pelo pé sangrento de um demônio que
ri.
Ah, e a melancolia que,
……….muitas vezes, em um amplexo,
……………….acalentou minha sanidade,
……………………….transbordou éter e álcool para fora
……….dos campos verde-palavras, verborrágico.
Para fora, a ideia, o breve dia do pensamento,
…………………o fluxo que corre como sangue nas veias.
Todo o mistério único de deitar
………..ao teu lado no crepúsculo das alucinações.
O sonho termina.
………………….Só se vive para fora
&
……………só se morre para dentro.
***
O TOMBO EM CHAMAS
Um dia, tu serás rei.
Por um dia, tu serás rei, Chris.
A gema mole do teu ovo — amarelo tal sol;
as paredes de dentro eclodindo mofo…
tua impaciência prepotente te levará ao cume.
Mas, por apenas um dia,
serás rei. Rei das trevas que te cercam,
rei do campo aberto — qual gritas,
rei do transcendente, rei do ovo
da gema mole — amarelo tal sol,
rei do mofo das paredes de dentro.
………Marinando, marejando, morosamente,
se possui a palavra, tal gota no oceano.
São incorruptíveis, os poros dos peixes-palavra.
É incapaz de erigir uma sílaba no breu da noite.
Nada irá me salvar e eu serei rei!
……..Rei — principalmente — do nada que me aguarda
…………….no tombar para fora desta vida.
***
SUSPENSOS NO AR EM SILÊNCIO POR UM INSTANTE
Eu olho para as fotos como que procurando o destino.
Não sei exatamente onde eu me perdi.
Não sei exatamente onde a encontrei.
Não sei sobre o pavio aceso do tempo que nos esmaga como insetos.
Eu olho nos teus olhos e te procuro.
Em todos os olhares eu te perco.
Porém, eu prometo, que na noite mais escura, do céu mais vazio,
das estrelas mais fustigantes, fugidias, eu estarei segurando a tua mão,
suspenso no ar, em silêncio, por um instante.
Eu procuro tua mão à noite, ao amanhecer e ao entardecer.
Em todas as cordas me emaranho, enrosco o pescoço na forca.
Entretanto, te perco, nas lâminas de aço pungentes,
no segredo que o céu não soube guardar.
Eu escrevo poesia para alcançar o teu nome, que já diz tudo.
Eu olho para as fotos como que procurando a ti,
mas encontro as tuas últimas palavras cravadas em seda:
“tu jamais alcançarás a lua se não saltar o precipício”.
***
NO DIA DO ANIVERSÁRIO
Escrevo palavras de ordem inatural.
……….Quando deixei tua vertigem alumiar meu corpo inteiro,
banhei-me em chuva dourada.
………Seria capaz de vórtices, de fome voraz. Assim que teu negror
intumescia meus olhos, uma luz pungente descia dos céus,
…….e eu continuava seco em todos os membros, em todos os órgãos;
um corpo vazio vagando na cólera da noite. Úmido, apenas nos olhos.
.Escrevo como caio, de peito aberto ao mar, como se o sal fosse fogo.
Invoco das palavras soturnas um instante de graça; um instante
………afastado da beleza do dia, qual eu mijo em cima.
Tua beleza é carnívora, engole minha luz feito fotossíntese.
……Beligerante, destemida, aprazível apenas pelos lobos taciturnos que uivam.
É distante a água salgada que corre em tuas veias; implodir para dentro
……do mundo inteiro, um maldito homem,
………com a cabeça estourada por uma espingarda,
……………às 7h da manhã, aos 27 anos,
………………………no dia de seu aniversário.
***
NA DANÇA XAMÂNICA FRENÉTICA DE CRISTO COM LÚCIFER
ao poeta Antônio Cícero.
1.
Edifícios tombam, ferozes.
Uma criança a sonhar estrelas.
Céu de anil, boca bocejante de cachorro negro — Anúbis.
Escuridão escorrendo nos dentes podres.
É inerente às plantas, o outono. Assim,
a asa de um anjo está vulnerável; minhas
palavras dão rouquidão aos cavalos, a sonhar
com centauros dançando pow wow ao derredor,
como se fosse o suficiente para ser feliz.
Paredes de concreto árido, com rachaduras secas
de poros nasais. Um raio esparso perpendicular,
perpétuo socorro de uma constelação que
brinca de faz de conta no dilúculo pulcro
do sorriso das camélias, das putas que balançam
a bunda ao som do funk e ao Cristo que habita
todos os portões do inferno,
exatamente como deus o fez: embriagado de crepúsculo,
atônito…
……………..e demasiado humano.
Christian Dancini de Oliveira é um poeta nascido e residente de São Roque, São Paulo, que escreve poesia desde os onze anos. Com 15 anos lançou a obra “Fragmentos de uma aurora” em PDF para baixar gratuitamente através do site Projeto Livro Livre, de Iba Mendes. Aos 22 anos, publicou seu primeiro livro chamado “Reminiscências”. Além deste livro, que lançou de forma independente, ele já lançou pela editora Opera o livro “Pleroma” e pela Patuá “Dialeto das Nuvens”. Christian Dancini já publicou na revista portuguesa Quiasmo, na Mallarmargens, Ruído Manifesto, Acrobata, pela revista espanhola Kametsa etc. Seu livro “Dialeto das Nuvens” foi semifinalista do prêmio Oceanos 2024.