CASULANIMUS
Floriano Martins e Viviane de Santana Paulo
descortinamos a sombra avulsa que mastiga o sol faminta por entre os monturos
…da tarde surge nas vértebras do tempo uma nuvem de abismos
estática da agonia que não se comunica com seus vultos abandonados
feixe de evasivas o pavor diante da pilha de cenários vazios a cidade
…regurgitando a própria memória como último recurso para evitar a asfixia mas
…o cansaço reveste os corpos de desamparo e as esculturas perambulam pelas
…galerias sem ninguém
no chão o ruído de madeira reclama as tiras das frestas que atam as cenas
…germinando lentas diáfanas tendo que relutar
contra o espaço desabitado dos cenários recolhem o movimento imperceptível
…dos sentimentos
nos fios das travessias emaranhados como um casulo na curva da clavícula
…tecemos nossa ausência com as fibras das garoas finas
caída nas costas do crepúsculo são corpos que mudam de lugar cruzam as
…artérias de um mundo desolado
enlutam os cabides gastos pela melancolia escrevem os nomes trocados para
…confundir a dor
há muito que reúnem as estações para pequenos tragos na madrugada quando
…revivem as imagens desfeitas e destacam passagens incongruentes da
…narrativa de suas vidas incomuns
sedimentando desvios nos fósseis da ressonância urbana
as pernas sonâmbulas dos sonhos no branco do teto deixam marcas longas e
…frágeis de nervos de folha desgastada de verão devoram as cicatrizes
…rudimentares de umas poucas utopias que rastejam por monturos cartazes
…aniquilados detritos surpresos orquestração de misérias
fomos descortinando a pele dos desgastes tateavas um palimpsesto aqui eu
…mascava uma imagem putrefata ali a memória não alcançava o dia seguinte
perdemos a história
já não sabemos em que tempo conjugar os verbos
***
MASCARALVO
a noite e o problema confinado jogo de despistar o solitário
noite de sexo sem a coroa de estrelas não te conhecem as cigarras o bafo quente
…..das sombras macias
somente as silhuetas dirimidas no breu dissolvidas as cores do dia na saliva da boca
para dizer que tudo se esvai mas permanece este delírio
arrancar a ilusão do duro das paredes
buscar as amarras o equilíbrio das gotas de chuva no limiar do arame na ponta
…..dos espinhos
minto carnavais e feriados noite de sexo sem a purpurina vermelha sem a pérola
…..branca
o estranho gosto do amor na boca amanhecida com atraso
lençóis rachados como os lábios do deserto de teu olhar contrariar a roupa ao vesti-
…..la
gemidos entranhados entre a meia e o sapato não te vás não me sigas
o sol se retrai indeciso sobre o disfarce que usará
a janela se espreguiça com um gato decalcado em suas vértebras
o mundo não vai a parte alguma nem sei ao certo quem és
rumino as penumbras dos gestos e algo quebra a casca fina da manhã gelada onde
…..as primeiras luzes surgem indiferentes inventam o cotidiano no gargalo dos
…..recintos
imperturbável na hora do despertar
nascem os corredores de reflexos matizes promissoras e lembranças viajantes que
…..vagueiam no vasto do dia que vem sem ti
e precisamente onde não estás recupero o que houve de melhor entre nós
e o faço entornando a jarra de felicidade com que sei que nada voltará a se dar
(Floriano Martins (Brasil, 1957) é poeta, editor e ensaísta. Dirige a Agulha Revista de Cultura. Entre os livros mais recentes, se encontram “Autobiografia de um truque” (2010) e “Susana Wald – La vastedad simbólica” (2012))
(Viviane de Santana Paulo (São Paulo), poeta, tradutora e ensaísta, é autora dos livros Depois do canto do gurinhatã, (poesia, editora Multifoco, Rio de Janeiro, 2011), Estrangeiro de Mim (contos, editora Gardez! Verlag, Alemanha, 2005) e Passeio ao Longo do Reno (poesia, editora Gardez! Verlag, Alemanha, 2002). Integra as antologias Roteiro de Poesia Brasileira – Poetas da década de 2000 (Global Editora, São Paulo, 2009) e Antología de poesía brasileña (Huerga Y Fierro, Madri, 2007)