A inquietude poética de Julia Debasse
Por Fabrício Brandão
Com quantos arroubos de consciência são feitos os traçados de um artista? Quiçá nove entre dez pessoas falarão da complexidade que é conceituar de modo redondo um determinado estado de espírito quando o tema é apreender a arte. E se tentarmos mirar um mundo que transborda ante nossos olhos, mais distantes ainda ficaremos de um mínimo entendimento sobre as coisas.
Que a arte encerre em si mesma, então, uma estrada autônoma, capaz de se reinventar a cada intervenção do olhar humano: eis o desejo que se funda e nos instiga os sentidos. Se o desafio é falar de um mundo povoado de cenários contrastantes, nos aproximamos do ponto de vista de gente como Julia Debasse. Por ousar, de tal modo em sua lida com a pintura e desenhos, essa artista carioca nos dá a impressão de que cada investida sua é um convite a uma esfera insone da vida. Nela, concebe-se a existência como uma cadeia frenética de sinais, muitos deles apontando para uma visão menos suave sobre os ímpetos humanos.
Não é exagero tencionar que Julia abraça uma estética transgressora, sobretudo pelo fato de que seus traços e formas demonstram rejeitar qualquer espécie de encantamento gratuito. Para ela, importa uma visão mais pungente sobre temáticas que remontam ao melindroso universo das emoções. É, por exemplo, o caso de se perceber o amor com olhos desnudos e, portanto, desabitados de devaneios e ilusões. Desse modo, a artista propõe a revelação do que se pode chamar de a face crua das coisas, porção esta marcada pela companhia inseparável da lucidez.
Conduzida às artes plásticas por sua paixão pela música, Julia Debasse parece ter encontrado um norte vigoroso para consolidar suas múltiplas formas de retratar o mundo. Seja na pintura ou no desenho, uma inalienável inquietude faz com que olhares e sentidos da artista permaneçam despertos em torno duma atmosfera muito peculiar a quem vislumbra o todo sem dissimulações.
Utilizando-se de cenas íntimas e outras tantas advindas do universo externo e também ficcional, Julia semeia provocações e questionamentos para, em seguida, colher soluções poéticas. Diante da densidade dos dias, a artista opera conversões e instaura um ambiente também habitado pela simplicidade dos gestos e tons da vida. Para os desvãos humanos, não se promete redenção ou qualquer coisa que o valha, apenas o ato imperativo de seguir em frente sem cultuar em demasia um deus denominado futuro.
* A arte de Julia Debasse é parte integrante da galeria e dos textos da 85ª Leva.