A virtude das tensões
Por Fabrício Brandão
Levar a cabo as inquietudes do mundo. Ainda assim, perceber que a existência não é uma só e que outros cenários convivem paralelos bem diante dos olhos. Quiçá invisíveis, tais lugares serpenteiam sob certezas e outras tantas ilusões cotidianas. Não há nada melhor do que rasgar o manual da objetividade que tanto vicia nossos dias aqui no planeta azul. Ou seria melhor planeta água, no qual as esperanças se liquefazem tanto na dor quanto no prazer?
Em meio a tudo, é sempre bom poder falar na epifania de um artista. De como esse ser incomodado projeta esferas do pensamento, o tal subproduto da alma. No caso específico de Vera Lluch, é bom ter em conta que o caminho trilhado através da arte reflete não apenas um motivo crucial de expressão da vontade e do olhar, mas principalmente uma forma de entender a vida como sendo um corpo orgânico, amalgamado por sentimentos que habitam na morada secular dos contrastes humanos.
De modo hábil, Vera sabe conjugar o verbo de nossas interrogações diante do pathos mundano. De suas ilustrações, explodem certeiros alguns arremates da consciência. Da avalanche fragmentada que atravessa o relógio do tempo, a artista reúne os cacos de um mundo ainda pouco sabedor de suas reais contradições, tomado que está pelo desfoque das ideias. O resultado disso fica por conta de um delicado jogo de embates entre matéria e espírito, parceiros inalienáveis do ponto de vista da natureza das coisas, mas que, simultaneamente, se atraem e se repelem no fosso monumental da pós-modernidade.
Os recortes humanos presentes na obra de Vera Lluch demonstram que a gênese de nossos estados do ser são a consequência mais pura das escolhas intuitivas. Desse modo, o curso interno das coisas, com toda sua necessária carga de abstração, molda o leito do rio da sensibilidade, sem negar fogo ao terreno da provocação e do espanto diante de tudo o que presenciamos no continuum do tempo.
Nascida no Peru, a artista cresceu dividida entre o Brasil e o Chile. Atualmente, vive e trabalha em Burlington, no Canadá. Diante de todo esse seu deslocamento territorial, ela encontrou na arte um motivo valioso para fundar seu próprio universo, transcendendo a mera noção de pertencimento geográfico.
Na mescla de desenhos, pinturas e colagens, Vera repensa o ato de existir. O efeito maior de seu trabalho talvez seja o de experimentar caminhos e deslocá-los a um ponto mais próximo do cume de nossas hesitações. Mesmo nos pontos de tensão, as ilustrações sugerem uma convivência com a porção lúdica das coisas. Revestidos de um olhar lúcido, os personagens da artista mergulham fundo no lago límpido, sedutor, porém imperfeito, da vida.
* As ilustrações de Vera Lluch são parte integrante galeria e dos textos da 87ª Leva.
A galeria de artes plasticas que a Diversos Afins vem nos permitindo descobrir desde o inicio é de uma força e, ousemos a palavra, beleza, de tirar o fôlego do visitante.
Realmente, os quadros mostram essa dor… esse medo que nos ronda… parece que o mundo se tornou um lugar assustador onde, de repente, podemos ser tragados por uma boca aparentemente oculta, mas que está ali à espreita de uma invigilância nossa.
O quadro da velha (ou velho) me fez sentir a finitude da vida, mas ela põe flores cor de vida ao redor como se elas nos apontassem um caminho da esperança para outros mundos…
Incrível!