As sutis inscrições do vazio
Por Fabrício Brandão
Há uma voz que, em meio ao tempo, pretende ocupar espaços. Essa voz transmuta-se no olhar daquele que cruza insones paisagens urbanas. E não há necessidade de que sua expressão maior seja percebida pelo verbo sonoro. Apenas o silêncio desafiador ousa permanecer e atravessar as zonas mais inusitadas da observação.
Quando o olhar revela-se um personagem dos cenários retratados, o ritual dos estranhamentos renova seu foco. Sem deixar passar o traço genuíno que cada ser ou lugar denotam, um fotógrafo vai além da dimensão externa das coisas quando experimenta tempos e espaços num mergulho físico ou intangível.
Gabriel Rastelli Quintão é um desses desbravadores de territórios. Máquina em punho, seus registros fotográficos perscrutam cenários em busca de vislumbrar o que está além dos vestígios. Atraído por uma espécie de decadência humana, o fotógrafo intenta o belo em meios aos escombros, quiçá alguma pista que possa renovar a crença num porvir.
Diante dos fragmentos deixados pelos homens, Gabriel parece se defrontar com a poética do vazio. Nesse ínterim, há um curioso processo de ocupação imaterial dos espaços, fazendo com que tais lugares representem pontos de recordações e alguma contemplação. Assim, a perspectiva do ambiente urbano deixa de ser meramente uma aglutinação de concreto e passa a algo indissolúvel na medida em que o tempo costura seu imprevisível fluxo.
O que Gabriel vê para além do vazio aparente é também um inventário de silêncios. Tanto na via das ações quanto na das hesitações, homens alteraram o curso de suas trajetórias e, mesmo que o artista tenha chegado após os fatos, os cenários denunciam seu farto enredo.
Nascido em Araraquara, São Paulo, Gabriel Quintão estudou fotografia na Escola Panamericana de Artes e hoje atua nas áreas de fine art, fotojornalismo, retratos e publicidade. Seu primeiro projeto autoral publicado, batizado de “Linha de Frente”, mostra as reações de fãs de rock que se comprimem nas primeiras fileiras de shows do gênero. Noutro momento, o fotógrafo exalta a série “Cinzas de Quarta”, cujas imagens refletem o abandono das alegorias carnavalescas que, outrora ostentavam a magia de um desfile, agora são relegadas ao esquecimento pós-momesco.
Apesar do trabalho de Gabriel denotar uma forte relação com as lacunas humanas visíveis ou não, outros pontos de observação são elegidos pelo artista. Composições de luz e sombra, flagrantes da natureza e epifanias urbanas também fazem da arte do fotógrafo paulista um caleidoscópio de sensações pulsantes.
Entremeando a tênue cortina que divisa o ser do não-ser, os olhares aqui apontados configuram uma estética que conjuga perenidade com volatilidade. E o interessante é perceber que há modos de se testemunhar presenças e marcas, mesmo que agora subsista algum vazio. Aquilo que o tempo ocultou ou até mesmo dissipou resiste, permanece intacto na maneira como lidamos com as artimanhas da memória.
* As fotografias de Gabriel Rastelli Quintão são parte integrante da galeria e dos textos da 100ª Leva