Olhares

A sutil continuidade das horas

Por Fabrício Brandão

 

Sinisia Coni

Foto: Sinisia Coni

 

 

Num dado momento, os sentidos saem às ruas à cata de dimensões. Lá fora, um sopro vital permeia convívios, retém sons, encerra pensamentos. Todos os dias, em qualquer recanto do planeta, um intercruzar, ora silencioso, ora sonoro, de trajetórias distintas toma conta desse colossal palco que é a vida. Todos os dias tudo segue, apesar de nós.

O que seria desse nosso mundo sem as diferenças? A cada rosto, sua tez. A cada paisagem, seus matizes. A cada gesto, um microuniverso íntimo que, por vezes guardado a sete chaves, eclode nalgum ponto da jornada humana sobre a Terra. Serão os territórios todos nossos? Onde o limite para a visibilidade das coisas?

Na intersecção entre a concretude e a esfera de abstração, somos seres ainda hesitantes. Por assim dizer, a imperfeição dos homens é melhor guia, pois a nossa vida sucumbiria diante da certeza de que tudo está cartesianamente no seu devido lugar.

A observação das epifanias que nos cercam é também uma forma de intervenção. Por isso, evidenciar o caráter que permeia a obra de uma fotógrafa como Sinisia Coni é algo oportuno. Ali, o olhar expõe o fluxo dinâmico das expressões humanas, levando em conta que é extremamente impossível passar incólume pelo que é testemunhado de perto.  Mesmo quando se supõe uma mera contemplação, há muito mais consolidando tal gesto.

Sinisia Coni

Foto: Sinisia Coni

 

Em sua arte, Sinisia sonda ambientes urbanos como quem ousa navegar os mares da impessoalidade. O resultado dessa travessia é transmutado em gestos os quais nos soam familiares na medida em que concluímos que, não importa qual demarcação geográfica seja, pessoas são feitas da mesma essência.

Revelando-se uma apaixonada pela fotografia, Sinisia iniciou sua trajetória bem cedo, aos 14 anos de idade. De lá para cá, profissionalizou-se e participou de exposições dentro e fora do país, sendo premiada na Embaixada do Brasil em Oslo, na Noruega. Nascida em Salvador, na Bahia, hoje reside em Lisboa, Portugal.

A fotógrafa baiana confessa que mergulha com a alma quando busca suas imagens. Por tal concepção, é possível notar que ela não se propõe a uma busca leviana de lugares e pessoas. Não há o registro pelo registro, alguma espécie de fotografia acidental, mas sim um desejado envolvimento com o que surge diante dos seus olhos. Percebemos isso quando cores, formas, sombras e faces emanam suas múltiplas e próprias linguagens num ritual o mais natural possível.

Sem artificialismos e arranjos premeditados, Sinisia Coni é uma genuína testemunha do mundo, seus arroubos e sua gente.

Sinisia Coni

Foto: Sinisia Coni

 

 

* As fotografias de Sinisia Coni são parte integrante da galeria e dos textos da 106ª Leva

 

Fabrício Brandão é um dos editores da Revista Diversos Afins. Cultua livros, discos e filmes com amor táctil e espiritual.

 

 

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5 Comentários

  1. excelente artigo,sobretudo pelo reconhecimento do talento da fotografa Sinisia coni

  2. Fabrício Brandão, muito obrigada pelo texto “A sutil continuidade das horas”, onde vc faz uma referência ao meu trabalho numa forma literária doce, poética e ao mesmo tempo concreta… verdadeira. Vc captou o meu sentimento com relação a esta apaixonante arte, que é a fotografia. Belíssimo!

  3. Coleciono a muitos anos fotos da Sinisia. Minha casa com certeza ganhou alma, com a sensibilidade fotográfica da Sinisia. Gostei muito da matéria.

  4. Lindo trabalho! Aliás, esta é a marca do trabalho de Sinisia, quando ressalta formas e nuances do cotidiano. E muito bom o artigo. Parabéns!

  5. Adorei as fotos de Sinisia. Bela despedida para um ano rui,. Continue a me mandar beleza.
    Obrigada
    Maria Lindgren

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