Olhares

 

O OLHAR PRIMEIRO DAS COISAS

Por Fabrício Brandão

 

Foto: Viviane Rodrigues

Sermos parte de um mundo tomado pelas imagens é fato há muito consagrado em nossas convicções. Entretanto, sabermo-nos capazes de estabelecer pontos necessários de distinção entre o múltiplo que nos assola gratuitamente, gerando excessos vãos, e o lugar salutar de nossas percepções é verdadeira façanha. Em meio a tais dilemas, quem de nós não tenta recobrar, mesmo que por alguns breves instantes, a própria essência?

A busca pela representação de mundo mais original possível encontra um ambiente favorável no universo da imagem. E trabalhos como os da fotógrafa Viviane Rodrigues provam que o ofício de captar a luz se inscreve numa condição mais ampla, na qual seres e lugares mostram-se desnudados frente às lentes de uma atenta observadora.

Utilizando-se do conceito de fotografia orgânica, Viviane promove um mergulho íntimo nas expressões retratadas, privilegiando o atributo in natura de tudo o que pode ser flagrado por sua câmera. Tal como a artista preconiza, o caráter puro da imagem representada é quem norteia o trabalho. Utilizando-se o mínimo possível de intervenções de edição, a catarinense, hoje residente em Curitiba, chama atenção para o significado especial de se ver o mundo tal como ele é, sem ruídos da tão propalada era digital.

Se, de algum modo, perdemos a qualidade de perceber no real a sua força primeira, em Viviane somos convidados a refletir sobre os desvios do nosso olhar pós-moderno. Diante disso, um questionamento: do ponto onde estamos, o quanto de ruídos e desvios roubam de nós o que realmente importa?

Foto: Viviane Rodrigues

Mais do que um valioso registro de nossas humanas idades, a resposta tida em trajetórias como a de Viviane é a da consolidação de um caminho de resistência, no qual impera a aceitação de nossa verdadeira individualidade. Nessa via, certamente, não há espaço para a reinvenção artificial da existência.

Formada em jornalismo, Viviane ministra aulas na área, além de capitanear cursos individuais sobre fotografia e, também, palestras sobre leitura imagética no cinema, imagem e sociedade, arte e fotografia,  arte e cidadania, dentre outros. Adepta da observação e do estudo, a artista acredita que as ferramentas tecnológicas atuais a serviço da imagem devem ser utilizadas com uma noção adequada de responsabilidade artística.

Na sua trajetória, a fotógrafa aponta o projeto Extimidade como sendo um marco fundamental. Derivado de um conceito lacaniano, a série chama atenção para a porção estrangeira do corpo humano, com toda a carga de estranhamentos, valores éticos e morais que o assolam há tempos. Em meio a tal seara, prevalece um modo alternativo de perceber a nudez do corpo, buscando nele um lugar no qual a singularidade humana repousa.

Juntamente com a parceira Juh Moraes, Viviane conduz o site Fotografia Orgânica, projeto que resume de modo significativo a concepção fundamental de seu trabalho, qual seja o de ressaltar leituras autênticas de mundo.

Com uma boa dose de sensibilidade, Viviane Rodrigues revolve a camada dos instantes e ousa nos conduzir pelas tramas intensas do fio da existência. O resultado é um vasto painel poético da vida, com todo o seu denso caráter e, ao mesmo tempo, toda sua delicadeza. O que somos por natureza vale muito mais do que uma mera profusão estética de fuga. E, quando um artista apaixonado nos relembra isso, definitivamente, estamos em boas mãos.

 

 

Foto: Viviane Rodrigues

 

 

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1 comentário

  1. Fotos lindas, textura, cor, sutilezas, profundidade! Parabéns a Viviane e aos leveiros na Diversos e Afins nº 70! Bjs

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