Em outras veredas
Por Fabrício Brandão
Tudo o que classificamos como sendo o real pode ser a fabricação imediata dos instantes. Pode ser o exercício patente de apreensão duma superficialidade das coisas observadas. Também pode significar o óbvio saltando com suas garras ajustadas bem em nossa direção. Diante dessas tentativas de definição, abre-se o fosso da dúvida: será que nos é dada a faculdade de invenção da realidade?
O real nem sempre é algo posto num panteão de conformidades. Por vezes, assinala perspectivas inusitadas, propondo-nos uma mudança no itinerário de nossas convicções. É quando, manipulando uma certa ordem natural preexistente, reconstruímos os mais diversos cenários de mundo.
Em matéria de fotografia, muitos ímpetos criativos hoje intentam um caminho que, mais do que simplesmente expor a porção real das coisas, deseja ir além, inaugurando outras fronteiras de compreensão. Esse olhar que ultrapassa determinados limites do lado aparente da vida acaba por resultar num permanente estado de revelações. É, pois, a sensação que temos ao contemplarmos as imagens de uma artista como Kristiane Foltran.
Detentora de uma atitude que rompe com uma noção tradicional de concepção da imagem, Kristiane aponta um caminho de transgressão do modus operandi ao qual se debruçou por muito tempo o ofício da fotografia. Adepta da utilização de recursos como a dupla exposição digital, essa fotógrafa curitibana vislumbra apresentar um mundo norteado especialmente pela assunção de outras linguagens.
Ao questionar as possibilidades de utilização do suporte fotográfico, Kristiane percebeu que era necessária uma via de transcendência, ou seja, algo que desse vazão a renovadas formas de representação imagética. Essa busca fez com que a artista, lançando mão de novas ferramentas (a exemplo do Site-specific e da Performance), conduzisse uma pesquisa estética através da qual a imagem assumiria uma concepção espacial diferenciada. Desse modo, e diante da fragilidade do suporte fotográfico, a arte transborda o papel e atinge o espaço.
O fato é que a artista visual em comento não apenas propicia um ambiente de ressignificação, sobretudo pelos meios dos quais se utiliza, mas também consegue conferir uma construção poética para seu trabalho. É o que podemos constatar ao observarmos séries como In_Versos, Marés, Fragmentos e Gueixas de Outono, todas elas a nos revelar densos percursos no complexo mar de nossas humanas idades.
Kristiane Foltran traz em sua trajetória uma vasta participação em exposições individuais e coletivas, além de integrar seleções e colocações em editais, concursos e salões de arte. Com os dois pés fincados na pós-modernidade, demonstra que sua arte, assim como o seu tempo, não se assenta em bases estabilizadas e previsíveis.
Tal como foi abordado no início destas breves linhas, a apreensão da realidade é algo movido por difusos caminhos. Certamente, não acharemos respostas para toda sorte de indagações pertinentes a um percurso como este. Importa mesmo considerar que o olhar de um artista pode trazer à tona as virtudes encerradas num gesto singular de percepção. Com o passar do tempo, sentimos mesmo que a arte não admite a visão cordata das coisas.
*As fotos de Kristiane Foltran fazem parte da galeria e dos textos da 118ª Leva
Fabrício Brandão edita a Revista Diversos Afins, além de buscar abrigo em livros, discos e filmes. Atualmente, é mestrando em Letras pela UESC, cuja linha de pesquisa reúne Literatura e Cultura.