Pequena Sabatina ao Artista

Por Fabrício Brandão

 

É relevante considerar que o trabalho de um artista ganha sentido mais vigoroso quando aparece conectado às questões de seu tempo. Na verdade, estamos a falar aqui da percepção que a arte evoca quando, imbuídos da consciência de seu lugar no mundo, aqueles que labutam com a cultura conseguem comunicar o conteúdo de seu ofício de modo a refletir aspectos comuns a toda uma coletividade. De toda sorte, falar ao mundo não pode ser uma mera atitude retórica, um jogo de cena a representar algo apenas em sua superfície e aparência. Requer propriedade para além de um discurso que reflita a vivência de quem o profere.

Mas dizer as coisas todas relatadas acima é apenas um indicativo para chegar a um ponto desejado, ou seja, abrir caminho para apresentar um projeto artístico que se converte em música da melhor qualidade. É dessa forma que a trajetória de uma banda como OQuadro pode ser referenciada. Para quem ainda não conhece, importa mencionar que estamos diante de um grupo com mais de 20 anos de estrada marcados, sobretudo, pelas vias do rap. E não é apenas isso. Esse rap praticado pelo grupo surgiu e se desenvolveu ao longo do tempo dentro de um contínuo processo de diálogo com outros ritmos, principalmente os de influência africana e latina.

A junção de Jef Rodriguez, Ricô, Victor Santana, Freeza, Jahgga, Rans, Dalua e Mangaio foi capaz de produzir um todo orgânico que hoje melhor define os caminhos do grupo. Com dois discos na bagagem, os baianos de OQuadro parecem ter encontrado um equilíbrio que, na verdade, demonstra ser um misto de independência, maturidade e engajamento. Some-se a isso o fato de que suas produções, além de expressarem o resultado de um cuidadoso e coletivo processo de criação, derivam de um amplo diálogo com parceiros valiosos na estrada musical.

Na entrevista que agora segue, Jef Rodriguez, Victor Santana e Ricô falam um pouco sobre os percursos da banda em meio a uma jornada que mescla raízes, pesquisa musical, identidade e visões de mundo. Também por aqui o foco está nos desdobramentos trazidos pelo segundo disco do grupo, Nêgo Roque, lançado em 2017. O álbum, que já foi alvo de uma matéria aqui na revista, representa todo um momento de escolhas, influências e percepções dos músicos em torno daquilo que hoje melhor define sua trajetória. Por essas e outras vias, nada mais apropriado do que conferir atenção às falas de tais artistas.

 

OQuadro / Foto: divulgação

 

DA – Nêgo Roque é um trabalho que mantém aceso todo um potencial discursivo que já se tornou uma marca forte de OQuadro. Suas letras são janelas de lucidez abertas para o mundo. O olhar que não acomoda coisas é o que faz permanecer vivos os caminhos da banda?

JEF RODRIGUEZ – Sim. Existe um filtro, um processo seletivo na confecção das letras e das músicas que vêm marcando nossa caminhada até então. Não queremos que essa seleção pareça um limite, pelo contrário, é uma escolha. A pretensão é ampliar ainda mais esse raio temático para além das questões sociais. Afinal, existem muitas coisas a serem ditas. Mas existe um fio condutor, um nível de relevância que não queremos perder de vista, tanto na forma quanto no conteúdo.

 

DA – Uma das características principais da banda é o modo como as criações são pensadas e executadas coletivamente. Isso é perceptível, sobretudo no novo álbum. Qual é o maior desafio de se chegar a um resultado orgânico quando há uma pluralidade de mentes convivendo?

VICTOR SANTANA – Na verdade, não tem muito desafio. Podemos até demorar para chegar no resultado que seja bom para todo mundo, que todos concordem, mas é fácil. Uns chegam com um rif, um arranjo de guitarra, baixo, teclado, bateria ou percussão e isso vai se juntando a letras ou à ideia de algum refrão já cantado; outros chegam com um tema ou ideia de letra. Vai se juntando tudo. Todo mundo muito atento à musicalidade tanto moderna quanto do próprio grupo. E chega a um resultado fácil. O maior desafio é compor. O rif pronto, o beat pronto, a letra pronta, é só juntar. Agradar a todos também não é muito difícil. Esse disco novo foi fácil de ser feito. A gente ficou só dez dias juntos, sendo que compomos dezessete músicas nesse período. Nunca tínhamos ficado reunidos antes para poder criar essas músicas. Compomos tudo quase que do zero.

 

DA – O novo disco traz um mergulho numa perspectiva, digamos assim, mais voltada para o experimental. De que modo a escolha dos arranjos refletiu essa aposta criativa? 

RICÔ – Acho que OQuadro sempre foi experimental. Teve um momento em que criamos até um subtítulo pra gente, que era o “clube de música experimental”, pois já flertávamos com muitas outras coisas em termos de sonoridades, referências de artes plásticas, cinema etc. Então, estávamos sempre antenados com muita coisa, com estilos musicais que não fossem apenas o rap, até pra poder fazer um rap diferente. Ao mesmo tempo, tudo fluía muito natural e espontâneo. Às vezes, eu chegava com uma base pronta, daí outro complementava. Nesse último disco, acabei chegando com mais força no sentido de preparar bem as coisas antes, de vir com arranjos mais prontos, mas apontando pra questão da tecnologia que a gente não teve no primeiro. Na verdade, a gente já queria ter, mas, por algum motivo, escolhas e recursos, naquele momento ficamos mais no artesanal. Depois decidimos flertar mesmo com o eletrônico de forma mais sincera do que acreditamos, ter essas texturas, buscar essa coisa dos sintetizadores, das frequências ultra graves, enfim, e usar o rock como atitude mais do que distorção. Tem distorção no disco, mas também há várias frequências que pra gente são rock. E a postura, o nome do disco, são várias coisas que levam pra essa transgressão. Ao mesmo tempo, eu mirei muito, junto com o coletivo, a ideia de tentar um pop com conceito, inteligência. Dá pra fazer coisas sem precisar ser apelativo, fazer a galera, do mesmo jeito, entender e cantar melhor. Tivemos mais cuidado com as frases também no sentido de não ter muitos excessos, mas sim falar o que é preciso ser dito, pois às vezes falamos muito e não dizemos muita coisa, como vemos por aí. A gente tentou ficar focado na escrita e numa linguagem bem simples para que todo mundo pudesse entender o que estávamos falando. O primeiro disco tinha coisas assim, mas era muito mais complexo, mais denso, outras vivências também. Então, os arranjos refletiram justamente essa nova fase de outros contatos, outras experiências com outras músicas e pessoas. Eu, aqui mesmo no Rio, com Marcelo Yuka, vi que outros horizontes se abriram pra mim. Comecei a produzir coisas com ele e isso me deu uma abertura muito maior de música, melodia. O próprio Yuka me orientou muito pra gente, no trabalho com a banda, ir no caminho da melodia, das harmonias, da música, enfim, e não se preocupar se é rap ou se não é, sabe? Acho que vem muito daí.

 

DA – É perceptível nesse segundo disco da banda uma ampliação dos laços que remetem à matriz africana. Num tempo em que a temática identitária do povo negro vem sendo ressignificada e intensamente debatida, o que é relevante destacar?

JEF RODRIGUEZ – Em relação aos ritmos, posso dizer que sempre esteve presente desde o primeiro álbum em 2012. Em Nêgo Roque isso se reacendeu numa perspectiva mais contemporânea pelo acréscimo de elementos eletrônicos, além da conexão com outras células que agora tivemos a oportunidade de expandir. Mas o que gostaríamos de destacar como referência em relação à matriz africana é a questão humana. Existe um genocídio da juventude negra acontecendo nas periferias do Brasil e do mundo. Questões históricas que ainda não foram resolvidas e parecem distantes de uma resolução razoável. Estamos tocando no assunto de maneira direta sem medo de soar clichê.

 

OQuadro em show no Circo Voador, no Rio de Janeiro / Foto: Roncca

 

DA – O rap tem algum compromisso?

VICTOR SANTANA – O rap já teve algum compromisso consigo mesmo. Na verdade, o rap começa ali no Bronx, em Nova Iorque, sendo a voz daquele povo esquecido. Num lugar que era um super gueto, quase uma zona de guerra, com assassinatos e muitos incêndios. Se não me engano, em um ano aconteceram mais de doze mil incêndios no Bronx. Sabe o que é isso? Um bairro inteiro queimando, vários focos e essas pessoas pobres lá se lascando. Então, o rap começa primeiro como uma festa daquelas pessoas e, na sequência, torna-se um jeito de se falar sobre o assunto, já que eles tinham discotecagens e também o microfone na mão. Faziam rimas falando sobre a coisa. Aí começa o rap. Surge um compromisso de resgate das origens com artistas como Afrika Bambaataa, que começa a falar mais sobre África através da Zulu Nation. No Brasil, já se começa ali a falar sobre Zumbi, nosso herói nacional negro. Inicia aí esse caráter político. Um compromisso que fala sobre nós, pretos, o modo como vivemos e tal. Esse compromisso vem com certas regras. Todo mundo quer trabalhar, ganhar dinheiro, viver disso. No Brasil, tem uma máxima de que as coisas que fazem sucesso não dão certo, pois entraram na mídia. Nos Estados Unidos, o pessoal quer fazer sucesso e ganhar dinheiro. O compromisso passa a ser a questão de se ter dinheiro e poder sustentar a família. São vários compromissos e eles são: sobreviver, ganhar dinheiro, fazer a coisa pelo certo e protestar sobre coisas ruins que acontecem ao negro (a politização, o crime policial). O compromisso talvez seja o jornalismo em torno dessas coisas ruins e boas que acontecem no gueto contra o povo negro, chamar atenção sobre estereótipos. É abrir os olhos da população sobre as mazelas que existem. Agora, compromisso em manter-se pobre, em não fazer sucesso, não é compromisso. Os Racionais MC’s, por exemplo, tiveram como pauta nunca aparecer na Rede Globo e até hoje eles não apareceram lá enquanto Racionais MC’s, nunca tiveram música na novela, nem se apresentaram no Caldeirão do Huck e no Faustão. Muita gente entrou nessa coisa de imitar os Racionais, dizendo que quem entra na Globo é vendido, é ruim, mau, playboy etc. Então, confunde-se muito a coisa toda. O Edi Rock, que é um dos integrantes dos Racionais, foi ao Faustão mostrar um trabalho solo certa vez, teve até uma reportagem e tal. Isso não impede deles serem amigos e estarem juntos apresentando o trabalho do grupo. Você vê que Criolo vai à Globo, Gabriel Pensador também (contemporâneo dos Racionais MC’s), e nem por isso tira o mérito do conteúdo de contestação. Enfim, o compromisso é consigo mesmo, fazer seu trabalho, ganhar seu dinheiro e falar sobre as coisas que incomodam. O rap tem algum compromisso, claro, mas é mais uma condição hedonista coletiva, se é que é possível dizer assim (risos), do que um conjunto de regras que te impedem. Não, elas não te impedem, te motivam.

 

DA – Como fazer arte num país que parece cada vez mais desintegrado politicamente?

JEF RODRIGUEZ – Penso que essa desintegração sempre existiu, a novidade em relação a isso é a consciência da mesma. Em momentos de crise econômica, o primeiro corte que o cidadão brasileiro faz é no consumo de cultura. Não fomos educados a entender as manifestações artísticas/culturais como elemento fundamental no processo educativo, no exercício intelectual, na construção de referências para um jovem em formação. A retirada das disciplinas como sociologia e filosofia da grade curricular obrigatória só confirma o tipo de cidadão que se espera formar no modelo educacional vigente. No caso específico do OQuadro, fazer a música que fazemos e como a fazemos já é uma luta política por natureza. Por não ser um rap convencional, por ser do sul da Bahia, por não fazer parte de nenhum grupo de amigos do meio. É um caminho árduo, mas o resultado tem sido sincero.

 

DA – Vocês têm ideia de qual lugar ocupam no cenário contemporâneo da música independente?

RICÔ – Acho que a gente ocupa um espaço interessante na música, e flerta com muita coisa moderna que vemos não só no Brasil, mas no mundo mesmo, sendo modesto. Pelo que já andamos pelo mundo, em alguns festivais, pequenos e grandes, estávamos sempre sendo colocados num lance mais moderno, experimental. E sempre as pessoas descrevem nosso trabalho, pelo menos no olhar de fora, como uma coisa de vanguarda. Uns acham que é um rock de vanguarda; outros acham que é um rap de vanguarda. Isso é bom porque mostra várias facetas nossas. No Brasil, tem muita gente interessante, mas, misturando o som do jeito que fazemos, na base do rap com várias outras coisas, não há muitos artistas. Infelizmente, o reconhecimento ainda não aparece em números, palpável, em termos de público Brasil afora também. Temos a consciência da importância daquilo que estamos fazendo. Não sei se agora, mas, de repente, num futuro próximo seremos mais reconhecidos, enfim. Mas é isso, estamos trabalhando e seguindo esse mesmo objetivo.

 

DA – As plataformas digitais modificaram profundamente o comportamento da indústria fonográfica. Para os artistas independentes, isso representou a necessidade de uma consolidação de espaços próprios, dando-lhes certa autonomia na produção e divulgação de conteúdos. Como prosseguir nesses verdadeiros lugares de resistência?

VICTOR SANTANA – As gravadoras perderam o poder, inclusive sobre os artistas. O trabalho para o artista fica mais pessoal mesmo. Na verdade, tem que procurar divulgar seu trabalho usando as plataformas digitais, que são uma facilidade para uns e extremamente difíceis para outros. Acho que você tem que ter assunto para ser atual ou uma relevância artística muito peculiar, algo que chame atenção de todo mundo. Na época das gravadoras, eles meio que empurravam isso, pagavam o tal do jabá, botavam para tocar nas rádios, no Faustão etc. Ainda tem isso dos produtores que pegam a grana e pagam rádios para fazerem divulgação, mas, em termos de plataforma digital, ou você tem um conteúdo muito foda ou tem que estar ligado nas tendências e tal. Tem uma coisa que acontece, uma pauta justa, muito séria, que é a dos músicos LGBT, e esses músicos, hoje em dia, estão em ascensão, não necessariamente pela qualidade extrema do seu som, mas pela pauta, pelo assunto. Então, às vezes, o cara não é um bom músico, cantor ou rapper, mas a pauta está em voga. Tem a coisa do feminismo mesmo, que é necessária, mas tá acontecendo uma, não sei se posso dizer, supervalorização, algo que está além da qualidade artística. Os youtubers, por exemplo, têm textos engraçados, pessoas que falam coisas legais, de acordo com certa juventude, e aí já funcionam, ganham dinheiro logo no próprio Youtube. Um super vídeo de um rapper da moda já faz dinheiro logo no Youtube antes mesmo do artista sair pra fazer show. Então, as pessoas estão se preocupando com esses conteúdos e, de repente, esquecendo o conteúdo real de sua arte. Para quem está preocupado só com a arte é difícil se adequar a umas coisas assim, apenas pela “modinha”. É uma faca de dois gumes. Por um lado, é independência; por outro, é estar atento às novas plataformas. Não dá para ter certeza sobre nada. Você pode fazer um clipe bobo e virar uma coisa assistida por quinhentos milhões de pessoas. Ao mesmo tempo, outras pessoas nem atingem essa visualização, sendo que fazem um trabalho com a qualidade bem boa.

 

OQuadro em show na Concha Acústica de Salvador / Foto: André Fofano

 

DA – Desde o primeiro disco, vocês sempre se aproximaram de parceiros importantes, principalmente no processo de produção. Que tipo de buscas marcam esses diálogos com outros artistas?

VICTOR SANTANA – No primeiro disco, a gente procurou Buguinha Dub porque era um cara mais acessível e que tinha trabalhado com bandas que eram referência pra gente, como Nação Zumbi, Mundo Livre S/A. Tinha a proposta do dub, que é um estilo de som jamaicano, psicodélico e tal, que nem ficou tão presente assim no disco como eu, por exemplo, imaginava, mas ficou o peso do dub com os baixos e bateria pra frente, fortes. Gravamos ele num estúdio que era bom e que atendia a nossas necessidades através do projeto da Vivo. Por acaso, foi o estúdio de Guilherme Arantes e a gente não contava com esse artista lá, mas aí ele apareceu e participou do disco. Ainda nesse álbum, tivemos Lurdez da Luz, que é uma rapper de São Paulo, e que trouxe ideias para fazer um refrão ou parte de música. No primeiro disco, não houve uma busca, as coisas foram acontecendo naturalmente. A mix foi de Buguinha Dub e a master de Gustavo Lenza, que foi quem trabalhou com Chico Science e Nação Zumbi, no Afrociberdelia, um disco de bastante referência pra gente. Para o Nêgo Roque chamamos Basa para produzir porque ele é o produtor de um grande disco de rap do Brasil, que é o Babylon By Gus, de Black Alien. Já tínhamos trabalhado juntos com esse produtor num evento em Itacaré, o Conexão Vivo. A gente pensa qual artista pode contribuir com o trabalho. Nunca é pelo nome, mas pelo que pode ser aproveitado. É dizer “nessa música caberia uma rima de Snoopy Dogg” sem que se tivesse acesso a Snoopy Dogg naquele momento. Foi o que aconteceu, por exemplo, com Indee Styla, que se tornou nossa amiga, com os caras do Attoxxá, que também estiveram junto conosco. A gente pensou em nomes pra atingir certas necessidades nossas. Poderia ter sido Pablo Vittar para um agudo, Baco e Vandall numa música y, porque o beat é um trap que combina com esses dois caras. Poderia ter sido Pitty em Nêgo Roque para fazer o refrão, ou seja, uma mulher que dá uma outra tônica, BNegão, ou Yuka falando alguma coisa. E a gente sempre pensando na música e não no artista. Com quem temos acesso, obviamente entra com mais facilidade. Pensamos em muita gente pra produzir até chegar em Rafa Dias, que era quem estava mais próximo da gente e entendia nosso conceito muito mais facilmente.

 

DA – De que modo uma banda que se originou em Ilhéus, no interior da Bahia, hoje, tendo alcançado alguma projeção, olha para suas raízes?

JEF RODRIGUEZ – Ilhéus é e sempre será o berço d’OQuadro, temos um cordão umbilical com vínculo eterno. Mas não me identifico com a cidade enquanto instituição, ela não foi feita para pessoas como nós. Vivemos aí tempos de um amor não correspondido. Testemunhamos desde sempre gestões que se apropriam de uma cidade que é projetada pela cultura, mas não devolvem a esse setor o mínimo de investimento que possa fomentar o nascimento de novos Jorges. Quem faz arte em Ilhéus, faz por amor, sem contar com incentivos ou iniciativas que projetem trabalhos autorais com o mínimo de dignidade. Pelo contrário, desenvolvem em nós um complexo de vira-lata, onde sentimos a obrigação de ser menor diante de qualquer manifestação artística que venha da capital ou de outro estado, o que é um exercício prático de autoestima baixa, de autodestruição. Nesse sentido, prefiro olhar para Ilhéus pelos vínculos com nossa família e amigos que nos incentivam sempre.

 

DA – Hoje, com mais de 20 anos de estrada, é possível dizer que a banda atingiu uma maturidade musical desejada?

RICÔ – Acho que a gente atingiu uma maturidade enquanto também pessoas, seres humanos, e nas questões das vivências, tanto pessoais quanto profissionais, pois a gente fica em lugares diferentes, vivendo coisas diferentes, e quando junta isso tudo, vem essa maturidade também da relação com outras pessoas, outros músicos e artistas. Isso influi totalmente na produção do som, do disco. Então, Nêgo Roque mesmo teve muita coisa das vivências que eu tive aqui no Rio com outros artistas, outras experiências de som, de imagem, de tudo, assim como a galera também teve. Quando nos juntamos, estávamos cheios de referências. Nesse disco, conseguimos expressar melhor o que queríamos, coisas tecnológicas. Então, tivemos todo o acesso possível pra construir isso. Não tivemos tanta limitação pra conseguir as coisas, pois contamos com pessoas trabalhando conosco para que conseguíssemos tirar o som da melhor maneira. Construímos coisas do jeito que a gente pensava, com bem mais facilidade, experimentalismo, direcionamento. Então, esse é um disco com certeza bem maduro. Claro que a arte sempre te dá a possibilidade de fazer mais, depois você reflete sobre o que poderia ter feito, mas têm sempre ene possibilidades, pois a gente não termina um disco, a gente desiste dele, senão a coisa vai se transformando e não tem fim. Partindo desse princípio, foi uma desistência madura (risos).

 

Fabrício Brandão edita a Revista Diversos Afins, além de buscar abrigo em livros, discos, filmes e no ato apaixonado de tocar bateria. Atualmente, é mestrando em Letras pela UESC, cuja linha de pesquisa reúne Literatura e Cultura.

 

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