Esse é o homem: um tratado do homem – rente ao chão
Por Jorge Elias Neto
Comecei a ler o livro Esse é o Homem – TRACTATUS POÉTICO-PHILOSOPHICUS do poeta WJ Solha, pensando: uma trilogia de poemas longos é algo de difícil concepção. Se um compositor acaba se repetindo, tornando-se previsível e monótono, fazendo com que nos lembremos mais de suas primeiras músicas em detrimento das mais recentes, como poderá um poeta não resvalar nesse mesmo sortilégio da criação?
E isso não é bom, pois estabeleceu uma prioridade: a busca das semelhanças. De início, observei as rimas que se repetiam e fiquei desconfortável. Lembrei-me de quando conversamos sobre meu poema Ode à bandeira, e Solha criticou o fato de eu ter rimado Solha com poalha como se a palavra somente estivesse ali para rimar. Casa de ferreiro espeto de pau?
Não satisfeito, interrompi a leitura.
Por ser livro para mergulho de apneia (já havia constatado isso em seus livros anteriores), busquei um recanto e reiniciei o livro.
E inicia-se o livro com a criação das palavras, a corporificação e socialização do objeto; e tudo se inicia pelo fluido, o mesmo fluido que, ao longo das 98 páginas do poema, nos levará e nos percorrerá e persistirá com a nossa partida.
Todas as interjeições já foram ditas e não se incorporam ao poema.
Depois veio o osso que virou arma, a dualidade bem e mal a nos olhar, o nosso olhar (olhar humano – demasiadamente humano), desde os primórdios de nossa existência. Vejo a odisseia de 2001 viva, estabelecendo quem é o verdadeiro Homem, sem firulas e dissimulações. E diz-nos o poeta que existe a arte, e existe a guerra, e existe uma retroalimentação, um feedback positivo renegado, mas legítimo.
E vão surgindo os nomes, cada vez mais complexos (na criação e multiplicidade de usos, finalidades estéticas e atrozes). E aí – repetindo o poeta – a suprema criação da consciência humana: surgem os deuses com os quais não se lida com conforto, os quais são temidos, pois trazem a morte.
E, ao longo do poema, o homem se desencontra, se repete, cria, procria, nomeia bem e mal, traduz toscamente imbuído da tonta ideia da literalidade. E faz a arte, cria a metáfora e dribla a realidade numa tentativa de destrinchar a vida. E é bom e é mau.
Vou esquecendo as rimas, mergulhando em tudo de história que me traz o poema. E, como leitor, estabelecendo as conexões (está aí um bom poema para manter ocupadas as sinapses cerebrais) necessárias para ver no homem de Solha, o mesmo que vejo com meus olhos miúdos. Vou entendendo que as palavras e as rimas contidas no poema não existem apenas para manter uma musicalidade: elas são um mote, um sinalizador de percurso do homem Solheano. E esse homem, após nomear a natureza, nomeia suas crias, suas buscas, achados e desespero.
De uma forma sutil, um certo menino nos conta histórias breves que cruzaram com seu olhar. E é do olhar do poeta que falo, aquele olhar envolto pelas circunstâncias. Aquele olhar da consciência de um poeta que representa em seus poemas o Universo e o Homem. Pois o olhar do poeta é mais que antena, o olhar do verdadeiro poeta, parafraseando o grande poeta baiano Ildásio Tavares, tem a humildade de se reconhecer homem e nos dizer estendo os braços e curvo no meu joelho minha linha do horizonte. Eis aí o homem e o poeta.
(Jorge Elias Neto é médico, pesquisador e poeta. Capixaba, reside em Vitória – ES. São de sua autoria os livros: Verdes Versos (Flor&cultura ed. – 2007), Rascunhos do absurdo (Flor&cultura ed. – 2010), Os ossos da baleia e Breviário dos olhos (inéditos). Integrou as publicações Antologia poética Virtualismo (2005), Antologia literária cidade (L&A Editora – 2010), Antologia Cidade de Vitória (Academia Espiritossantense de letras – 2010 e 2011) e Antologia Encontro Pontual (Editora Scortecci – 2010))
A boa leitura nos transporta a universos inimagináveis.