Aperitivo da Palavra II

Sinto, logo, concreto

Por Daniel Russel Ribas

 

 

O título do livro de Roberta Lahmeyer, “Retas oblíquas”, propõe o paradoxo que permeia o conteúdo. A linha visível, tátil e paralela como um ser camuflado, de matéria intocável e formato incerto. Uma busca do sentimento dentro de um espaço gráfico. A imagem condiciona o eu-lírico em sua relação com o mundo. Ou seria o contrário, em que mundo interno moldaria sua manifestação em objeto? No lugar de uma desordenação ingênua, emerge uma brincadeira de teor romântico. Conciso e direto, porém sentimental e sincero em sua busca. Uma segunda leitura permite este jogo leve e divertido que a autora exercita.

Como lidados com o conflito eterno da alma sonhadora e do corpo pragmático? A sinceridade, reitero, torna-se chave. A autora reafirma sua expressão como real, jamais realista. Logo, em um trabalho protagonizado pelo sensorial que transforma a estética em um auxiliar, uma avaliação técnica torna-se coadjuvante. O julgamento é válido, mas de dentro para fora. A autora estabelece uma conexão intimista. A poeta suspira sua presença. A apreciação do leitor depende de sua abertura para a mesma.

O movimento concreto brasileiro caracterizou-se pela reformulação da obra em sua disposição. Remetendo a Sartre, a palavra opaca seria ver de dentro para fora, em que o conceito é o relevante. Lahmeyer engaja a liberdade sentimental em uma opção estética. A ferramenta é incisiva em teor e encarnação, entretanto este é delicado, não-bruto ou cru. Ou seja, há múltiplas maneiras de expressar, tanto em texto quanto estética, o que ela dispõe. Mas esta é a que escolheu, como uma moldura que complementa a pintura. O centro seria o mesmo, mas o enquadramento aumenta a potencialidade, ao mesmo tempo em que se apresenta próprio como discreto.

Como exemplo, transcrevo o poema de onde a autora deriva o título:

 

……….Janelas abertas
para o avesso
………da superficialidade
________________ as formas concretas
……..são retas
mas as sombras são oblíquas

 

À primeira acepção, um texto de um eu-lírico sentimental primário e transbordante em sentimento. No entanto, a forma casa com a movimentação de três palavras-chave no espaço: “janelas”, “retas” e “sombras”. Lahmeyer, assim, impõe a construção de seu interno manifestado em imagens: o retangular de “janelas”, as horizontais que formam “retas” e a inclinação projetada em “sombras”.

O que se projeta do texto é o relevante, e a autora mostra sua maneira de enxergar esse fenômeno. A influência de Drummond é nítida em seu tema do eu-lírico gauche, que busca o sentido de seu interior em um universo fechado. Mas a autora se interessa mais em moldar seus sentimentos do que retratar sua interposição entre linguagem e visão do alheio. Assim, pode-se ler como exercícios que intrigam pela opção estética do que pelo texto em si. Ao mesmo tempo, não descarta o signo. Ela o forma à sua imagem internalizada. Não se trata de vanguarda ou de uma referência a um conceito geométrico, mas um olhar para assuntos atemporais, cuja eternidade reside na nossa maneira de nos interpretar perante o universo.

 

Daniel Russell Ribas é membro do coletivo literário Clube da Leitura, no Rio de Janeiro. Escreve crônicas quinzenais no site RUBEM. Organizou e participou de diversas coletâneas de contos. Ganhou o Prêmio Argos pela edição de “Monstros Gigantes – Kaiju”, em parceria com Luiz Felipe Vasquez.

 

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