Aperitivo da Palavra II

De que geografia e de que mortes, afinal, Priscila Pasko fala?

 Por Helena Terra

 

 

“Como se mata uma ilha”. O título, se fosse um livro de poemas, já seria impactante e original verso.

Mas não é.

É um livro, não, é mais que um livro, é uma requintada literatura de contos e de alegorias de várias ilhas ou torrões ou grãos de areia humanos ou, ao contrário, da comunhão de toda essa humanidade em um arquipélago de palavras ancoradas na perspectiva, na sensibilidade e no desprendimento da escritora e de cada leitora ou leitor.

Umberto Eco diria se tratar de uma obra aberta pronta para se desdobrar e desdobrar.

Salvador Dalí a pintaria com sua visão de mundo surrealista, exigindo o olhar astuto e atento aos símbolos em crítica e em movimento que permeiam as entrelinhas.

Simone de Beauvoir, acredito, aplaudiria, assinando embaixo de cada texto, de cada potente testemunho e testamento de que o que somos nem sempre é o que nascemos e menos ainda por nossa livre e espontânea vontade.

Por quê?

Porque o “Como se mata uma ilha” fala de nós, as mulheres, dentro dos territórios sociais, culturais, corporais e psicológicos em que vivemos e dentro de nós mesmas. Nós, as mulheres, sendo o útero e o parto que embala a criação – em seu sentido mais óbvio e, também, em seu mais complexo – e nós, as mulheres, sendo forçadas a ser os limites e a sepultura do que inspira e dignifica a existência em seu todo e em nossas particularidades.

O “Como se mata uma ilha” fala sobre quem somos, nos discute e debate. No entanto, não nos julga. E quem não julga, não condena. É preciso coragem para evitar a autoridade das sentenças, para não optar por elas, para não aceitar e perpetuar os estigmas, os rótulos e os preconceitos. É preciso coragem para não condenar com a própria ignorância. E é preciso consciência, acréscimos de consciência, para não se deixar moldar e constituir por meio de opiniões carregadas de experiências, valores e indiferenças alheios.

As personagens, da Priscila Pasko, se parecem e não se parecem umas com as outras, exatamente, como nós, mulheres e homens, também, nos parecemos e não nos parecemos. Em comum, elas têm uma espécie de apego pela verdade e de intimidade com ela, do mesmo modo que a escritora tem com a laboriosa tarefa que é escrever.

Por incrível que pareça, o “Como se mata uma ilha” é o seu livro de estreia. Talvez, todos os livros, os bons livros, sejam mesmo de estreia por não se parecem com nada além de obras de arte.

 

Helena Terra é escritora, jornalista e coordenadora literária do grupo de leitura “A literatura tem nome de mulher”, que se propõe a ler e a pensar as obras escritas por mulheres, em Porto Alegre, na Livraria Cultura.

 

 

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