Ciceroneando

 

Ilustração: Ana Matsusaki

 

São tempos duros estes em que vivemos. Era de discordâncias que perpassam de forma avassaladora o espectro político do país. Diante da instabilidade instaurada pela guerra de narrativas midiáticas, é preciso que tentemos buscar algum resquício de bom senso e lucidez. A fissura que nos abala enquanto nação tem raízes bastante profundas, muitas delas fruto de um pensamento anacrônico que insiste em nos empurrar abismo adentro. Assim, nossa descrença em melhoras faz sempre aniversário. Ano a ano repetimos os modelos de enfrentamento das questões, exaltando os problemas e deixando de refletir sobre soluções efetivas. Esquecemos de confrontar ideias e, em seu lugar, privilegiamos conflitos desarrazoados e por vezes distantes de qualquer equilíbrio. Se a pauta que aborda temas como educação, segurança, economia e o social já se encontra absorvida por tensões extremas e bem distantes de um entendimento harmônico, que dirá o tocante à cultura. E quando artistas são reduzidos a uma classe de desocupados ou aproveitadores de programas de fomento público, sentimos que algo grave nos ronda. Tal classificação odiosa atribuída aos trabalhadores da cultura mais parece uma profunda ignorância sobre o papel que estes exercem efetivamente no front artístico do que qualquer outra coisa. Some-se a tal perspectiva o fato de que tentam insistentemente relegar a cultura a uma condição secundária, como se esta não fosse algo prioritário para o desenvolvimento de um país e das pessoas que dele fazem parte. Através de sua obra, um autor pode refletir sobre seu tempo, colocá-lo em discussão para que outras pessoas também exercitem seu senso crítico a respeito do que está sendo sugerido ou mostrado. Mais uma vez, toda essa formação crítica voltada para o consumo da arte não pode vir dissociada de um embasamento propiciado pela educação. Não somente criadores, mas também os destinatários de suas obras, necessitam compreender em que tipo de sociedade estão inseridos. A fruição da arte enquanto reprodutora de uma alienação político-social pode representar um território morto para a expansão do debate sobre quem realmente somos. É preciso ficarmos atentos para que o antigo costume de relativizar as coisas não assuma o controle dos rumos. Diante disso, espera-se do artista que não oculte a sua verdadeira face quando provocado a vislumbrar os sintomas do seu tempo. Num cenário em que tentam mitigar vozes através de intenções claramente autoritárias, produzir arte é  um legítimo ato de existência. Hoje, uma nova leva da Diversos Afins surge em meio ao conturbado ambiente em que vivemos. Ainda assim, resistimos em manter acesa a tão necessária chama da liberdade de expressão. E não recuaremos. Por tudo isso, tocamos a nau trazendo à lume os poemas de Sara F. Costa, Marcelo Benini, Matheus Arcaro, Julia Bac e Vítor Teves. É instigante ver a lúcida entrevista concedida pelo escritor Bruno Ribeiro a Sérgio Tavares, conversa que evoca reflexões críticas especiais sobre o fazer literário.   No caderno de teatro, Vivian Pizzinga propõe densos mergulhos no espetáculo “Aqui jaz Henry”. O poeta e performer Alex Simões adentra as searas íntimas de “Espaço Visceral”, novo livro da também poeta e performer Daniela Galdino. Nos contos de Dheyne de Souza e Silvana Guimarães, pulsam vidas à mostra. É Guilherme Preger quem nos convida a ver o filme “Benzinho”, produção brasileira que aborda delicados percursos em torno da família. Nas linhas de Daniel Russel Ribas, leituras possíveis para “Retas oblíquas”, novo livro da poeta Roberta Lahmeyer. Por aqui, há também a importância de se falar em “Um Corpo no Mundo”, disco de estreia de Luedji Luna e que revela uma consciência identitária a resistir às investidas cruéis do silenciamento. Nossa atual edição é percorrida pela exposição das ilustrações de Ana Matsusaki, artista plástica paulista. Resistiremos pela arte a qualquer ameaça que nos tire a possibilidade de pensarmos e sermos. Eis a nossa 127ª Leva!

Os Leveiros

 

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1 comentário

  1. Na veia o editorial. É preciso resistir. Lutar até a última gota de sangue, se necessário. Calar-se jamais.
    Um abraço para os Leveiros.

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