Por Larissa Mendes
SILVA – JÚPITER
Se em Claridão (2012) eu já afirmava que o capixaba Lúcio da Silva Souza não pretendia soar elitista, apesar de sua formação erudita, é em seu terceiro álbum, Júpiter, que minha “profecia” se confirma. Lançado no Dia da Consciência Negra (20 de novembro), novamente pelo selo SLAP (Som Livre), SILVA recolhe seus sintetizadores, despe-se de preconceitos e apresenta um “planeta” pop e acessível a todos seus habitantes. Algo até certo ponto esperado depois de seu flerte com Lulu Santos & Don L (pseudônimo do rapper Gabriel Linhares Rocha) na canção Noite, já com alguns lampejos espaciais, lançada no primeiro semestre. Nas 11 faixas, todas assinadas por SILVA e pelo irmão Lucas, exceto a regravação de Marina, o músico gravita mais romântico do que nunca, versando sobre o amor e seus contratempos, porém não teme em explorar/conquistar novos ritmos e públicos. Concebido na estrada, durante a turnê de Vista Pro Mar (2014), entre voos e quartos de hotéis, o artista revela-se minimalista e atual, como confessa em carta divulgada em sua página do Facebook.
Júpiter (Júpiter pode ser começar de novo/se por lá não houver esse mesmo povo /que só quer controlar o que a gente quer/e o que a gente só quer/é amar), faixa-título, convida o ouvinte a fugir para o maior planeta do Sistema Solar, talvez numa alusão à mudança sonora que o álbum se propõe. A faixa conselheiro-amorosa Sufoco (ninguém é de ninguém/pare pra pensar/o amor pra existir têm que respirar) adverte que é uma canção sobre desapego e não sobre desamor. Eu Sempre Quis (querer não é amar/mas é sempre um bom começo/amor, eu sempre quis/desde quando te conheço) – primeiro single lançado – é uma balada tão envolvente quanto a malemolência de SILVA e sua dancinha no videoclipe da canção. Feliz e Ponto surge com um suingue provavelmente herdado da viagem do músico à Luanda (que rendeu o clipe de Volta, canção de Vista Pro Mar e um curta-metragem denominado Angola, narrado pelo artista e voltado ao ritmo kuduro). Io, espécie de vinheta instrumental do álbum, confirma todo o fascínio de SILVA pela música clássica.
O segundo bloco do álbum tem início com as reflexivas Sou Desse Jeito (um dia eu percebi que era o meu jeito/tão diferente assim do seu conceito/é o que existe em mim/não é defeito) e Nas Horas (a gente faz tudo ser real/você e eu noite a clarear/há quem duvide do verbo amar/eu já rezo o verbo todo). Na sequência, Se Ela Volta (se o nosso amor foi mais que amizade/vou te ouvir abrir o portão), talvez seja interpretada como a continuação da letra de Janeiro, canção do álbum anterior que abordava o amor platônico entre amigos. Um dos pontos altos do disco fica a cargo de Marina, regravação do clássico samba-canção de 1947, de Dorival Caymmi, que ganha uma roupagem eletrônica, refletindo o SILVA que conquistou a todos em Claridão. A sensual Deixa Eu Te Falar (eu tenho tanta coisa pra dizer/habitar você/é meu plano A) dá a deixa para Notícias (eu vou seguir pra onde houver ar puro/junto de uma gente que quer encontrar/algum lugar, um rumo/se eu ficar aqui eu vou desatinar), que encerra a obra em ritmo cadenciado de secretas boas novas (quando eu chegar/não vou mandar notícias).
Em seus 36 minutos de execução, Júpiter surge como uma obra minimalista, visceral e libertadora, onde o multi-instrumentista supera a timidez e dá vazão a toda sua verve de intérprete, algo também evidenciado na série de shows intitulados “SILVA canta Marisa Monte”. Misturando pop, eletrônico, MPB e R&B, SILVA mostra sua maturidade simplificando arranjos e samples e versando sobre o amor e suas agruras sem soar piegas. E como enfatiza a mesma carta publicada no Facebook, Júpiter, “trata-se não de um espaço, lugar ou planeta definido, e sim uma alegoria: é um lugar onde o amor tem a possibilidade de vencer, sem adiamentos ou desculpas”. Boa viagem a todos nós.
Larissa Mendes é sagitariana, também regida por Júpiter.