Gramofone

Por Pérola Mathias

 

NOMADE ORQUESTRA – VOX POPULI

A Nomade Orquestra chega ao terceiro disco mais entrosada, mais pop e mais coesa, seguindo uma linha ascendente desde seu primeiro álbum de 2014. Sem perder a proposta de mistura de ritmos e estilos musicais que vão do jazz, do fusion, do groove, do hip hop ao afro beat e à música brasileira, Vox Populi, lançado em maio passado, traz ainda um novo e importante elemento: o canto. Por cima de bases instrumentais criadas coletivamente pela big band do ABC paulista, os convidados Edgar, Juçara Marçal, Siba e Russo Passapusso colocaram seus versos e adicionaram sua personalidade às faixas.

Cada convidado está à frente de duas faixas. Aberto por “Ocidentes Acontecem”, com o rapper de Guarulhos Edgar, Vox Populi consolida a longa parceria do grupo com o artista. Edgar participa e performa em vários dos shows da Nomade. E parte da banda também acompanhava Edgar em seus shows antes dele lançar seu disco Ultrassom (2018). Como é típico nas letras e no estilo de Edgar, “Ocidentes Acontecem” e “Constante Mesmice” profetizam verdades relativas, porém suficientemente incômodas e provocativas. Nas músicas, Edgar aponta as doenças da mente, do corpo e da alma que pairam sobre nossa sociedade cada dia mais caótica.

 

Nomade Orquestra / Foto: divulgação

 

O segundo convidado a aparecer no disco é o baiano Russo Passapusso, front man do fenômeno Baiana System. Em “Agente Russo” o baiano faz um trocadilho com o próprio nome para construir a ideia dos versos que canta. Mais otimista que Edgar e pregando o amor e a união como resistência, diz: “eu não troco a luta pra viver no tronco […] câmbio, câmbio, streets, xangô”. Além do ritmo acelerado e suingado, marcado pelos solos do naipe de metais e pela percussão, a faixa é um alívio para as cabeças com febre por causa de séries como Stranger Things, que retoma de maneira superamericanizada o período da guerra fria, e por causa do fascismo político no Brasil atual. “Plena Magia” reforça essa ideia, mas com um ritmo mais calmo e que poderia ser uma balada se fosse mais lento. Sua letra diz: “alegria e resistência: esse é o nosso lema”.

Em contraponto às frases que remetem ao momento político de agora, que estão na boca dos militantes e estampadas em suas camisetas, as faixas de Juçara Marçal e Siba mostram a força da tradição, que é por si só resistência. “Eró Iroko”, saudação a Exu, traz a voz potente e ancestral de Juçara acompanhada pela banda, em que a flauta de madeira tocada por André Calixto se sobressai. Em “Temporada de caça”, talvez a faixa mais longa do disco, Siba canta versos encantados e cheios de sabedoria sobre o mundo, como é comum em suas letras, e faz combinar sua rabeca com o som tirado pelos onze músicos que compõem a Nomade Orquestra.

Cada faixa parece deixar um dos instrumentos da Nomade mais evidente. Ora o sopro, ora o teclado de Marcos Maurício, ora a guitarra de Luiz Galvão, que nunca se perde em meio a tantos instrumentos, ora a percussão. Com Vox Populi, a Nomade Orquestra mostra que vem consolidado uma obra que se sustenta com qualidade, pesquisa e invenção.

 

 

 

Pérola Mathias é doutoranda em sociologia, pesquisadora e crítica musical. Editora da revista Polivox e do site Poro Aberto.

 

 

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1 comentário

  1. Excelente a crítica dá uma panorama perfeito da banda, suas músicas e da turma toda, muito bom !

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