Gramofone

Por Wilfredo Lessa Jr.

 

KANYE WEST – JESUS IS KING

 

 

Kanye West é o mais importante artista para compreender o nosso tempo, uma controvérsia ambulante, o supremo idiota, gênio multimídia, trendsetter supreme, traíra, tudo ao mesmo tempo. Ye é o hip hop (dividido entre ativismo e o bling), é  o “palmiteiro mor” que pegou a Kardashian  da sex tape e casou. É o cara que pulou de Nike para Adidas e criou a percepção da Sneaker Culture pro mainstream. Sem ele não haveria Drake  e dezenas de outros. O rapper não gangsta que dividiu um disco com Jay Z e o traiu, o homem negro que admite seus problemas mentais, que chora em praça pública, que se diz Deus e põe o boné do Trump. Judas, Exu e Hermes ao mesmo tempo. Kanye é o troll  do século.

No meio de mais uma reinvenção, ele volta à sua Chicago natal e começa a fazer missas cantadas nas igrejas locais. Cercado de ótimos músicos e um coral, vai  de  Gospel (raiz da música negra americana, fonte de Aretha e Sly, entre tantos outros), atitude recebida com cinismo e desconfiança por parte dos  fãs e críticos (me incluo aqui). Resisti a ouvir Jesus is King, mas a curiosidade venceu o ranço e o disco é tão gostoso, tão… pop que tocaria em qualquer lugarzinho “muderno” sem que se note sua temática, afinal, gospel por aqui soa chato e careta.

 

Foto: : Kevin Winter

 

O álbum abre com “Every Hour”, a faixa mais típica do Gospel, uma “abertura de terreiro” com o coral e a vibe da Igreja negra dos Blues brothers, faixa curta e que te coloca no mindset das intenções do disco. Em seguida, temos “Selah”, com seu órgão, e onde Kanye começa seu sermão com a frase “… God is king, we the soldiers…”, evocando grandeza e a beleza clássica. Quando o coral entra nos “Aleluia! Aleluia!”, esperei o beat dropar e a gente cair num house. Mas ele vai de colagem e deixa esse crescendo tomar conta, faixa poderosa.

Em “Follow God”, um rap com um flow estrito e direto, daqueles pra tocar no carro ou no fone saindo para a batalha, daqueles que movem o peão.  “Closed on sunday”, canção leve com cordas, baixo pesado e aquela sensação de oitenticidade que Ye capta desde faixas como “Get by”, que ele produziu para Talib Kweli, citando o Chick a Filet, rede fast food de donos evangélicos (polêmica calculada), na qual o tema é  o amor e a família. “On God” é mais uma faixa altamente influenciada pelos 80 com seu tecladinho fazendo uma base e bateria eletrônica, caberia no Arcade Fire fácil.

“Everything we need” (com Ty Dolla $ign e  Ant Clemons), outro rap com lindos vocais de Clemons e  Ty, é curtinha (uma característica do disco, que foge da estrutura do Gospel e se integra ao déficit de atenção do nosso ambiente hiperconectado), tem batida trap e uma mensagem de gratidão. Em “Water” (com Ant Clemons), Kanye se utiliza da imagem da água, tanto como símbolo da uma pureza batismal, como da nossa busca com o cloro (elemento externo) por essa mesma pureza, faixa que evoca  e reafirma o disco como pop fundamentalmente. Por sua vez, “God is” remete ao início do disco, a canção é um soul puro, soa como  “Crazy” do Gnarls Barkeley, podia ser cantada pela Amy Winehouse e tocada pelo Dap kings, básica e focada na emoção tosca da voz de Ye.

 

Foto: Rich Fury

 

Em “Hands On”, voltamos ao ano de 2019, com o vocoder e Ye soltando os versos calmamente, indiciando os supostos “cristãos” que julgam primeiro. Mas na suave, claro. Na canção “Use this Gospel”, Ye reforma os mesmos teclados e convenções do seu último disco, com Pusha T tacando os versos com força em contraste com o minimalismo. É “Jesus is Lord” que fecha o disco numa coda imensa, hora dos abraços.

Gospel é Bob Marley, Bob Dylan (fase linda) e Take 6. Kanye traz o gênero pro século 21, explorando os temas que já trabalhava desde seu disco passado (insegurança emocional, solidão no sucesso etc.) e resolve seus medos tão nossos, com uma simples fórmula: Louvor + Humildade = terapia.

Não sei se essa fórmula funciona, se é um golpe de pastor, mas sei que funciona nos ouvidos e que o Papa é pop…

 

 

 

 

Wilfredo Lessa Jr. é professor de inglês que nunca morou fora, músico que não toca instrumento e intelectual que não se formou. Diz ele. Membro inativo do P3 (projeto 3), Infected Minds e Irmandade Arcana. Também se finge de escritor para poder falar de livro com gente que é.

 

 

Clique para imprimir.

1 comentário

  1. excelente resenha,

Comente

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *