Janela Poética IV

Juliana SBrito

 

Desenho: Fernanda Bienhachewski

 

Pedra tumular 

 

O silêncio também pode ser pedra
recusa, ponto final.
Encerra a impossibilidade do pouco que é possível
do pouco, do mínimo, do íntimo
que nos é permitido.

É arma automática
Permanentemente acionada
Granada escondida à flor da pele
A matéria depois da bomba atômica

Até quando falarei sozinha?
Ficarei para sempre com o tiro no peito
Eternamente em exílio
Sob silêncio sepulcral?

 

 

 

***

 

 

 

Sob o microscópio

 

Seres fronteiriços
Em constante movimento
Abertos
Feridos
Cindidos
Em devir
Lacunares
Sempre estrangeiros

 

 

 

***

 

 

 

Diante do Umbral

 

Essa espera sujeitada
Que me força a aguardar
Por uma porta que se abra
É terrível e suicida

Arrombarei portas
Construirei janelas
Ou me entregarei
Ao espaço sem limites

Um muro pode servir
Um guardanapo sujo
Um post virtual
Ou mesmo o asfalto ensanguentado

Vital é circular
É dar luz
Ao que tenho a dizer
Forma visceral de existir

 

 

 

***

 

 

 

Gratuidade

 

Uma flor selvagem brotou no jardim
Declamou uma poesia para o Sol
Exalou um perfume sutil como uma borboleta
E se entregou para a primeira abelha que passou

 

 

 

***

 

 

 

Malabarista de uma perna só

 

Tropeço nas pedras soltas das certezas
Mergulho sem paraquedas nos abismos do sentir
Me agarrando kamikase na neblina
Inconsistente pratico nado sincronizado na fumaça
Me desfaço em mil pedaços
Fraturada até a raiz
Tombo vertiginosamente no chão
Como a pena daquele passarinho
Que ninguém notou
Soltou-se em pleno voo
Beijando o solo em pirueta

 

 

 

***

 

 

 

Recomendações

 

Exigem que eu justifique meu texto
Quanto devo recuar?
As margens me oprimem
Alinhar à direita ou à esquerda?
O centro me descabela
Me deixa ilegível
Quero a página em giro
Capa e contracapa em branco
Ou preto?
Romperei como Saramago
Ou Joyce na cabeça da Molly Bloom
Sem paradas para respirar
Abolirei as vírgulas
Ou inconsequente abusarei delas
Ignorarei o sublinhado vermelho
Que me grita: Há um erro!
Em minúsculas itálicas
Gravarei minha falta de estilo
Sem direito a revisões.
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Juliana Sbrito é baiana de Vitória da Conquista. Graduada em História pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Professora. Coordenadora do Clube do Livro Um Dedin de Prosa e Poesia. Colabora com o site Crônicas de Categoria.

 

 

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