Janela Poética I

Raquel  Almeida

 

Desenho: Felipe Stefani

 

Agoniza

 

Corta essa sua carne dura e sangre
Se for o único jeito de descobrir suas estradas
Ferida aberta
Corta
Corta essa
Falsa promessa
Essa falsa fortaleza
Corta essas certezas
Deixa jorrar esse sangue
Nesse peito aberto
Enfia no oco seu ego
Faze o presente ser eterno
Cava suas memórias
E reviva.

 

 

 

***

 

 

 

Da terra que renasço

 

Solo que me fez
Me refaça!
Como a mãe preta que amacia a argila
Remolde!
Na moldagem
Revista meu coração com paredes de aço
Pra que nenhum abraço me cegue
Os retoques
Que sejam nas águas sagradas
Me banha, me rega,
Me rege
Terra firme que me regenera
Transforma minha fúria em fuligem
Enterra por aí minhas sentenças
Solo
Não me isola na mais árdua trilha
E blinda, blinda todinha a minha vida.

 

 

 

***

 

 

 

Tendo

 

O gosto do grito entalado amarga
Estraga as noites sufocadas em insônias
Estala vontades
Desejos que não desejo
E o peito aperta
Se aperta é dor
Dói!
Não ter dito que sou franca
Que tendo a beirar abismos
E a afagar leões
Tendo a mordiscar pimentas malaguetas
A pisar em pregos que beiram solidões
Já que o peito acelera
Aponta pra mim essa seta pontiaguda
De medo.

 

 

 

***

 

 

 

Sou

 

Tenho certeza de uma coisa
Sou vento e vento é livre
Sou água e água corre
Sou terra e terra é fértil
Sou intensamente regida
Pela vida
Meu amor me agride
Preenche e sufoca
Sou amor sou amar
D’mar
Sou fúria e calmaria
Sou ninho
E nos meus caminhos
Me perco.

 

 

 

***

 

 

 

É só
Toda loucura gerada
Todo pensamento de saltar
Toda invisibilidade
É só
Sorrateira
Vem e derruba
Pesa a cabeça e não existe fuga
Corre pelas estradas
Mas tudo isso no silêncio da sua alma
Porque no topo é um vulcão potente a explodir
Não chega a desejar a morte, mas a monotonia pra si já é morrer
Chega e vai só
Só é o seu caminho
E fica dali e acolá tentando se encaixar e sente que não faz diferença
Seu riso, seu choro…
Não acostumou a ser só
Por isso ainda solfeja suas angústias nos ouvidos do mundo
Só na imersão da confusão bagunçada e silenciosa
Só, e sem paradeiro
Abraça o mundo.

 

 

 

***

 

 

 

Estou jorrando sangue
arrastada pelas ruas
Exposta em praça pública
Massacrada por um rolo que comprime, oprime
Arranca a última gota de sangue-suor dito igual perante deus
Estou jorrando sangue
na porta da minha casa
Desguarnecida
com uma bala cravada na nuca
Desfalecida
levando porrada, largada no asfalto
Jorro sangue num mundo que diz que preciso sorrir
sendo torturada coletivamente
Jorro sangue a cada onze segundos
Me afogo nesse rio de traumas
Me sufoco em meio a papéis que não dão suporte em nada
Leis do cão que não funcionam para minha pele
Para o meu cep
Jorro sangue quando me fazem acreditar
Que viver ensanguentada é natural de gente minha
E mesmo cerrando os punhos
criando escapes
acredito que minha voz ainda não ecoa
Estou no meu rio de sangue
planejando revides sem sucessos
Todo meu sangue vira comércio
e as feridas continuam expostas
Estou aqui, jorrando esse sangue
dito igual perante deus
Entoando um BASTA
me agrupando com vozes que se assemelham a minha
Empurrando os dias
e abrigando o desespero que bate à minha porta
Estou jorrando sangue
lutando para que um dia venha estancar.

 

 

Raquel Almeida é poeta, escritora, arte – educadora e produtora cultural, estudou musica na Faculdade Carlos Gomes(Grupo Educacional UNIESP). Co-fundadora do Coletivo literário Elo da Corrente, grupo que atua no bairro de Pirituba, desde 2007, no movimento de literatura periférica/negra, realizando um sarau semanal e mantendo uma biblioteca comunitária nessa comunidade. Co-fundadora do Coletivo Cultural “Esperança Garcia”, o grupo promove discussões que refletem o papel da mulher negra e periférica na literatura e outras vertentes artísticas. Escreveu “Sagrado Sopro” (Poesias), 2014 ;  Elo da Corrente Edições  e “Duas Gerações Sobrevivendo no Gueto” (contos, poesias e crônicas), 2008, co-autora Soninha MAZO – Elo da Corrente Edições.

 

 

Clique para imprimir.

Comente

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *