Mônica Ribeiro
ÂNIMA
As coisas têm vida
se vida damos a elas
[quem me ensinou foi Patti Smith]
Mas eu já sabia
Só não tinha coragem
ainda
de falar com as coisas
E tinha menos coragem
ainda mais
ou ainda menos
de ouvir as respostas das coisas
Mas não
Coragem de ouvi-las
não tenho
ainda
Para tanto
é preciso saber
ouvir o dentro
As coisas não se ouvem de fora
***
PERNAS
As pernas da cabeça
bambas e trêmulas
não conseguiram
me fazer conseguir
Machucaram-se
as pernas da cabeça
Foi ataque dos pensamentos:
chutes, rasteiras, chaves de perna
As pernas da cabeça
agridem as pernas da cabeça
e permanecem firmes
torneadas
Nem um arranhão
As pernas da cabeça
agredidas pelas pernas da cabeça
doloridas, flácidas
não se levantam do chão
***
AMPULHETA
Não sei
quantos pontos
são necessários
para estancar
o sangue
de quem se corta
com cacos
de ampulheta
Não sei
quantas pinças
são necessárias
para tirar
do sangue
a areia do tempo
que escapou
da ampulheta quebrada
Não sei
quantos anos
sofridos
são necessários
para que a ampulheta
não se quebre
Há de se saber
que a ampulheta
é por si
torta
trincada
mal lacrada
Embora viva
morta
***
MEMÓRIA
Faz-me falta o que eu não tive
mas que sei muito bem
É coisa que retive
na não memória
É coisa do que não veio
do que não vem
Distraída disfarço
a falta
o cansaço
Retraída
eu perco
esta dança
e o compasso
***
TEMPESTADE DE AREIA
Dor não se mede
Dor desnorteia
Desagrega o ser
que agoniza
mesmo sem morrer
Dor é falta de ar
ventania que sufoca
hiperventilação arenosa
choro seco
de lágrimas secas
Dor é tempestade de areia
é falta de brisa
daquela que
em vez de ferir
alisa
***
FADO
Antes que fosse cedo
já se fez tarde
O tempo rompeu
a velocidade da luz
A vida escoou
aliada do tempo que é
A vida acabou
sobrou foi nada
Feneceu a vida que
como o tempo
é fadada
Mô Ribeiro, ou Mônica Ribeiro, é mineira de Belo Horizonte. Arquiteta de formação, descobriu-se poeta por insistência do inconsciente. Participou da antologia “É Urgente o Amor”, Edições Vieira da Silva, Portugal, e também da antologia “Ruínas”, da Editora Patuá. Foi publicada pelas revistas Caliban, Desvario, Germina, Literatura & Fechadura, Mallarmargens, Mirada, Revista de Ouro, Revista Ser MulherArte e Ruído Manifesto, entre outras. Publicou, este ano, seu primeiro livro de poemas, PAGANÍSSIMA TRINDADE, pela Editora Penalux. Nasceu em 1971 e deu trabalho para vir à tona: o parto foi de fórceps. A escrita, ao contrário, vem nas contrações que dão à luz seus poemas. Partos rápidos, mas não sem dor, e depois o cuidado com a cria. Assim é sua escrita.