Janela Poética I

Maraíza Labanca

 

Ilustração: Viola Sellerino

 

O lá do Sim

 

Vive nas matas, selvagem, forma
preferível das florestas, que tem
por objeto o assobio das serpentes;
voz em que há sim, hiato – de ato de ferir.
Alia povos de plantas cujas cascas, amargas,
tem por tipo o silvestre, também
cipó; dois vivos em que há
aderência da pálpebra com a nota
musical, de uma época remota, lá, alhures,
sem verbo, que começa; ou poética
do fim, iniciada por eles,
pelo som das palavras –
funda natural nome de coisa por oficina
e encerra a outra inconsciente
divisa: certas combinações
que têm triz. Sim
em que há coisas santas ou,
como sejam, sagradas.
Sim: aquele que cometeu Sim,
a primeira folha,
Sim.

 

 

 

***

 

 

 

Poema II

 

De pequeno tamanho, foi um
dos fatores de expansão
do mundo, porque era nome
amorfo, pedra ou granada,
a cabeça encarnada,
fundamental
abertura superior do coração
absoluto.
Carrega-se
no dorso de animal:
mecha de fogo,
chuva muito forte,
por que motivo desconhecido.

 

 

 

***

 

 

 

Tormenta

 

Ela vem torta, de óculos escuros,
cabelos despenteados, vestido em desalinho;
sobre a tormenta, ela vem de botas altas,
com marcas no rosto, uma, resultado do tempo,
outra, de um acidente de carro;
sobre a tormenta, ela vem quando a calmaria
era já a sua companheira de quarto, quando
já até morava ao lado de uma praça
e se nutria bem, para evitar a tormenta;
sobre a tormenta, ela vem tonta, trazendo sua angústia
no peito, no peito de quem não quer
mais ir embora, tragando-a para dentro dele;
sobre a tormenta, ela vem e parece te querer, mas veja, olhe,
escute, antes de atravessar a linha do trem;
sobre a tormenta, um dia ela vai embora e
você, como a criança diante do circo que baixa sua lona,
desejou imensamente ser levado em seu vórtice.

 

 

 

***

 

 

 

Noite branca

 

Olho as janelas que ainda estão acesas,
como fazia em outro país: a insônia
aproxima anônimos em sua distância,
como se de longe partilhássemos
o mesmo cigarro, a mesma ausência.

Há, agora, uma jovem que trabalha.
Um homem sem camisa que vê tv.
Um que vagueia, sentado sobre o próprio desespero.
Um cão que, no meio do silêncio, abana o rabo para ninguém.

Uma mulher que absolutamente não sabe o que fazer.

 

 

 

***

 

 

 

Brutal

 

onde a luz nasce palavra
obscura,
discreta a morte: a vida retina.

delicadeza ao morrer é
tortura.

 

 

 

***

 

 

 

des corps

 

embrulha, compacta
palavra – revela-
se
cruel, crua
entre a fuga e a cura, cheia
de cor a sua escrita pura,
a sua escrita cria

luz

– candeia.

 

Maraíza Labanca é poeta, ensaísta e doutora em Estudos Literários pela UFMG; oferece oficinas de escrita no Espaço a’mais; é uma das editoras da Cas’a edições. De sua autoria, publicou os livros “Refratário” (2012), “Rés” – livro das contaminações (2014, com Erick Costa), “Partitura” (2018), “Exceto na região da noite” (2019) e “A terra O corpo” (2021).

 

 

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