Charles Marlon
“Conversaciones nocturnas”(*)
O poema ao
pôr-se na
página está
a perder-se
a desperdiçar-
se
e é como se
houvesse – agora –
amor de menos
para com a tua
voz belicosa. E
sei
que em tempos
de guerra, o
coração – desejoso –
de bater cansa
e – de cansaço –
pede
mais.
***
Não há sombra de alegria neste regresso
Sai-se à rua
para buscar fugir-
sem o obter –
ao itinerário
repetitivo
do calendário. Mas
há – ainda –
a espessura do ar
a preencher as
ruas vazias: ruas
de res-
sentimento, desejo
e desengano. Ou
a correspondência
de uma sobra de sombra
a correr a cortina
na contramão do
aceno que por força
do frio não chego a
ceder. Sob o fino
fio da iluminação
em led, arrumo
arrimo num muro
acendo um cigarro
e pre-
vejo ao longe o ruído
do trem que passa – quiçá –
em retorno.
***
O calvário
As folhas – sempre – em queda livre
e o calendário é como um homem calvo
quando chega o verão; pois
outro ano, transplantado,
há de sobrevir.
Os dias, o costume e as noites,
sim, principalmente, as noites,
não fazem mais que encher de
verdades vencidas, uma caixa
de mentiras. O próprio coração
é – agora – outra mera
f(r)icção.
***
Biografia não autorizada
Esta vida,
quem foi que autorizou?
Depois da primeira manhã,
tudo é atraso do fim que
não se vê, e já se sabe, a se
arrastar atado ao calcanhar.
Trocando minhas mãos pelas
tuas, o que? Viver é dividir
um engano, a vida:
outra coisa.
***
O pêndulo
As ruas não
indicam qual-
quer direção, e
não, é certo, darão
no mesmo lugar.
E, no entanto, só
sei ser o que me
ensinaram, estar sem-
pre a meio caminho:
Não dar um passo.
(*) Título retirado de “Cien años de soledad” de Gabriel García Márquez. Referência: García Márquez, Gabriel. Cien años de soledad. 1ª ed. Buenos Aires: Sudamericana, 2007. Pg.104
Charles Marlon Porfirio de Sousa é poeta e mestrando em Literatura Portuguesa – poesia contemporânea – pela Universidade de São Paulo- USP. Em julho de 2012, publicou seu livro de estreia, Poesia Ltda., pela editora Patuá e em junho de 2014 seu segundo livro, Sub-verso, também pela Patuá.