Janela Poética II

Liv Lagerblad

 

milton-boeira

Foto: Milton Boeira

 

entrecerro os olhos e o olho trans-consciente gira
cerro os olhos e o estrondo do sonho sacode-me as omoplatas
um pio baixo / um silvo / a nuvem prata no horizonte
deito-me com ícelo e morpheus ao lado
é como deitamos todos mas a metamorfose de aromas
não mente .
animal ferido gane nas redondezas

as coisas respiram em ondas volumosas de calor
em oscilações e um momento é frangalho, outro faca
pudera corresponder à grandiloquência
esse tutano plúmbeo, essa pedra incrustrada no peito
lá fora alguém cantarola um funk

onde útero um concílio de vespas
frequência um marasmo e à volta chistes
coincidente o calo na garganta, foz do bolor no verbo
e a derme arredia de algumas relações poucas

 

 

***

 

 

Amo sem dono / meu corpo-casa
Sem dono a casa que me faz sólida
Desaba qual n’O Espelho
O reboco do teto. Sobre meu corpo nu
Meu corpo nu embaixo das vestes
Sempre, com todas as ranhuras : nu
Retinindo sua marca na terra

Meu corpo nu e sujo sobre a grama
Sobre os ciprestes sujo, nu, repulsivo
Sobre o asfalto, coberto de relva
Na mata, no cimento, no mar
Nu. Imundo. Esverdeante pele clara
Esse corpo ainda & nunca outro.

 

 

***

 

 

todo impropério é o por quê da fome amarga
dia turvo da hora turva como magma que se resfriasse
açoite que se fizesse perene de uma luz abundante
carvão transmutado em diamante
são o mesmo
disse–me joana d’arc palpitando entre as labaredas
o abismo era cavado com os pés
estômago,
é de aço pra caber o plúmbeo dos braços que sopesam
desejar ardente uma chaga
que fizesse parte do estado das coisas latentes
rasgasse entre os dentes
despontar ilesa do outro lado do labirinto
sólida como pedra que há no meio do caminho
há no punho cerrado que se desvela e erra o alvo
há no coice na foice na voz amedrontada e firme
há no vínculo desconexo e frouxo qual laçarote desfeito
ah no fumo que trago e trago como fosse sanar–me o vazio

 

 

***

 

 

quando se espreme uma esponja suja
em cima de um papel, ela:

 

1. mancha as folhas
2. fica mais leve
3. libera um líquido asqueroso
4. continua parcialmente úmida

 

 

***

 
1

honey baby está tão cansada que também não acredita em si
mesma
o livro-cinza ao seu lado exala um cheiro de cera
apareceu na escada um recorte de papel com a letra A
como fazer um texto sem essas premissas?
esse texto branco, como a letra seca da lei se pretende
quando começo, azeda linha
agora plácida, inteiriça
nenhuma língua que eu não possa desossar me é válida
nenhum poeta ganha os créditos no reino das referências
se preciso refaço os caminhos
pra chegar ao mesmo ponto as entranhas
tão um só pedaço de carvão úmido
discretamente secretam certas fuligens opacas
restam algaravias mal–ajambradas
cá estão fleumáticos os grampos como frames que se colam
[às retinas
pudera ser touro me lembro do rapto de europa:
a imagética figura do colonizador era uma musa fragilíssima
e que ornou de flores a testa de zeus
transmutado em touro branco : não tendo medo é que teve
fim posto que dançava nua à beira–mar
e carregada pr’além mar
foi mesmo colonizada, dilacerada

 

 

***

 

 

Today

 
cada um que me passa pela rua é um soco no estômago
demasiado strong
to my sensitive stomach : they say smack they say boa noite e
cachaça
they say num lasco da tua carne eu passo a faca
mai lirou bitxe letis renguin aut togeder
and i’m saindo pela culatra e dizendo no no no
let’s fuck until we die in the moment of the orgasm
diz no meu ouvido
i’m
always
like
no
no
tanks

 

Liv Lagerblad, poeta e artista plástica, nascida em 89, serpente no horóscopo chinês, um livro publicado, com pdf disponível online no site da editora Cozinha Experimental na coleção kraft, onde foram publicadas as primeiras recolhas poéticas de dez poetas. Outro no prelo pela editora Urutau, chamado “o crise”.  

 

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