Janela Poética II

Wanda Monteiro

 

Ilustração: Joana Velozo

 

 

o pensamento não completa o voo no corte das asas
no calar do nome a palavra vagueia esparsa
esmaece névoa-memória
sem nome tudo se esvai
no traço perdido
do não dito

esquecer é silenciar o ser

 

 

 

***

 

 

 

na janela o espelho
no espelho o tempo
preso no silêncio da imagem
vítrea imagem
que no átimo do olhar
não nos reconhece

 

 

 

***

 

 

 

de súbito
lhe corto o curso à foice
meço a inteireza de seu propósito
lhe enterro estacas
para cegar vindoura estação
jogo-lhe a inerme isca da palavra

inútil intento domar o tempo
ele sempre volta ao cume
conjuga-se à revelia
de minha desmedida vontade

com olhos de escárnio
mira-me
de dentro da areia
como irrefutável sentença

 

 

 

***

 

 

 

em campo aberto de afetos
ferir-Se
no deslimite

sob
êxodo
transpor fronteiras

===

pisar no auto-exílio

 

 

 

***

 

 

 

paredes opulentas de vazio
sobre portas e janelas – o mofo das ausências
no rodapé – a poeira dos afetos
no limo dos azulejos – o pretérito das cotidianas tarefas

no-mínimo-círculo-de-calor-da-ultima-lâmpada-acesa
insetos dançam e fenecem em queda espiral

um feixe de malograda luz
tenta atravessar o vidro rachado
com intento de irromper o vão da sala

já é tarde para o sol
tudo se cala ao abandono

lá fora a história seca na casca da cigarra

vai chover

 

 

 

***

 

 

 

Há um movimento frio e feroz movendo-se na história da humanidade. O humano apartado do céu e da terra, portanto, apartado de si mesmo. O humano rendido e preso em sua dissonante esfera – num viver distanciado das significâncias da vida.

 

Wanda Monteiro, advogada, escritora, uma amazônida nascida à margem esquerda do rio Amazonas no Pará, tem seus textos publicados em várias revistas literárias, virtuais e impressas, tais como: Acrobata, Diversos Afins, Gueto, Ruído Manifesto, Mallarmargens, Zona da Palavra, Intacta Retina, Relevo, In Comunidades, LiteraturaBr e outras. Obras publicadas: O Beijo da Chuva, Ed. Amazônia, 2008; ANVERSO, Ed Amazônia, 2011; Duas Mulheres Entardecendo, Ed. Tempo, 2015; Aquatempo, Ed. Literacidade, 2016.

 

 

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1 comentário

  1. Seus poemas são diferenciados. Muito belos.

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