Wanda Monteiro
o pensamento não completa o voo no corte das asas
no calar do nome a palavra vagueia esparsa
esmaece névoa-memória
sem nome tudo se esvai
no traço perdido
do não dito
esquecer é silenciar o ser
***
na janela o espelho
no espelho o tempo
preso no silêncio da imagem
vítrea imagem
que no átimo do olhar
não nos reconhece
***
de súbito
lhe corto o curso à foice
meço a inteireza de seu propósito
lhe enterro estacas
para cegar vindoura estação
jogo-lhe a inerme isca da palavra
inútil intento domar o tempo
ele sempre volta ao cume
conjuga-se à revelia
de minha desmedida vontade
com olhos de escárnio
mira-me
de dentro da areia
como irrefutável sentença
***
em campo aberto de afetos
ferir-Se
no deslimite
sob
êxodo
transpor fronteiras
===
pisar no auto-exílio
***
paredes opulentas de vazio
sobre portas e janelas – o mofo das ausências
no rodapé – a poeira dos afetos
no limo dos azulejos – o pretérito das cotidianas tarefas
no-mínimo-círculo-de-calor-da-ultima-lâmpada-acesa
insetos dançam e fenecem em queda espiral
um feixe de malograda luz
tenta atravessar o vidro rachado
com intento de irromper o vão da sala
já é tarde para o sol
tudo se cala ao abandono
lá fora a história seca na casca da cigarra
vai chover
***
Há um movimento frio e feroz movendo-se na história da humanidade. O humano apartado do céu e da terra, portanto, apartado de si mesmo. O humano rendido e preso em sua dissonante esfera – num viver distanciado das significâncias da vida.
Wanda Monteiro, advogada, escritora, uma amazônida nascida à margem esquerda do rio Amazonas no Pará, tem seus textos publicados em várias revistas literárias, virtuais e impressas, tais como: Acrobata, Diversos Afins, Gueto, Ruído Manifesto, Mallarmargens, Zona da Palavra, Intacta Retina, Relevo, In Comunidades, LiteraturaBr e outras. Obras publicadas: O Beijo da Chuva, Ed. Amazônia, 2008; ANVERSO, Ed Amazônia, 2011; Duas Mulheres Entardecendo, Ed. Tempo, 2015; Aquatempo, Ed. Literacidade, 2016.
Seus poemas são diferenciados. Muito belos.