Janela Poética II

Carla Diacov

 

Ilustração: Ana Luiza Tavares

 

TOMAR A SOPA DA QUARENTENA

 

dentro da música que
conta aquela vez
encontrar encontrar algum
espaço para a quarentena da
calma – prorrogo vossa estúpida santidade –

 

 

 

***

 

 

 

quem sabe o tempo
disso tudo um jovem muito
mau costureiro quem sabe
o dia em que
suavemente
a emenda perceba a outra
para
além do confisco lacrimoso

sonho com um casaco feito
dessas penas

 

 

 

***

 

 

 

vai passar

 

continuarei a odiar continuarei
a trombar o coração nas quinas
dos móveis que se mistificam
da primeira letra do seu
nome

 

 

 

***

 

 

 

sola circular

 

que lugar é o lugar
de frente para a janela você pensa
outra janela à parte o lugar
será diagnosticado em tempo é
o lugar é acreditar a noite molhada à
janela esmigalhar entre os dedos enrugados
um perdido de grande amor
dormir cheirando os dedos é o lugar

 

 

 

***

 

 

 

solavanco

 

rendem-se os calcanhares ao
isolamento agora o projeto é
a sombra a obediência é dançar o
contra das outras vezes em que
nas pontas dos pés estava a partitura
do solavanco

 

 

 

***

 

 

 

um silêncio e meio
a duração do perfil da pomba
três pombas e um quarto
a
duração da sombra
nove sombras e um meio silêncio
peso e altura da espera
cor e resistência da minha janela

 

 

 

***

 

 

 

empilhar luas

 

a flecha ideal de quando
um antigo amor está e está a dizer
você
você é a flecha e a boca não
é
você é você o tempo
da flecha rente
à língua a flecha original e o vaticinado
furo

 

 

Carla Diacov, São Bernardo do Campo, 1975. Escreveu Amanhã Alguém Morre no Samba (Douda Correria, 2015/Edições Macondo, 2018), bater bater no yuri (livro on-line pela Enfermaria 6, 2017), A Munição Compro Depois (Cozinha Experimental, 2018), A Menstruação de Valter Hugo Mãe (Casa Mãe, Portugal, 2017/Edições Macondo, 2020).

 

 

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